Título: Família vai processar organizadores
Autor: Alessandra Pereyra
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/02/2006, Metrópole, p. C1,3

Prefeitura promete punição `exemplar¿ se organização não provar que teve aval para show que deixou 3 mortos

Ainda é difícil acreditar no que aconteceu. Para a família de Fernanda Silva Pessoa, de 13 anos, aceitar a ausência da menina alegre, que sonhava ser cantora e iria começar aulas de dança, vai ser o principal desafio a partir de agora. Mas não o único. A família quer explicações dos organizadores da desastrada tarde de autógrafos com a banda mexicana RBD que terminou em tragédia no sábado ¿ morreram Fernanda e outras 2 pessoas e 42 ficaram feridas. ¿Vou processar, foram irresponsáveis¿, disse ontem Maria de Lourdes da Silva, de 45 anos, mãe da garota, referindo-se ao Grupo Pão de Açúcar e à gravadora EMI.

O corpo de Fernanda foi enterrado à tarde no Cemitério Parque dos Girassóis, Parelheiros. Uma ambulância teve de ser chamada para atender parentes da garota ¿ caçula de cinco irmãos e xodó da família. A irmã mais velha, Manuela, quase desmaiou. Outra irmã, Gabriela, grávida de 7 meses, e o padrasto, Demilton da Silva, recém-operado do coração, também passaram mal. ¿Ela era a minha raspa do tacho. Agora vou conviver com isso¿, disse a mãe, costureira, avó de seis netos, que vive no Jardim das Gaivotas, zona sul.

Maria de Lourdes não sabia que Fernanda tinha ido ao Shopping Fiesta, em Interlagos, zona sul, ver o RBD. A menina passava a última semana de férias na casa de uma tia, no Grajaú, e decidiu ir com a prima. Na hora do almoço, a prima ligou e contou do tumulto: ¿A gente se perdeu¿, foi o recado, aflito.

¿Pensei: a Fernanda é mimada, chorona. Deve estar quietinha num canto, triste porque não conseguiu ver a banda. Melhor ir buscar¿, disse Maria de Lourdes. Pegou o RG da filha e correu para o shopping. Topou com desespero, gente chorando. Mas não com Fernanda. Um bombeiro sugeriu que fosse ao Hospital Regional Sul. Lá, o choque não veio em forma de notícia. Teve de identificar o corpo da filha. ¿Gostava dela mais até do que se fosse minha própria filha¿, disse Demilton. ¿Temos de viver. Vamos para casa¿, interrompeu Maria de Lourdes.

O sentimento de desolação também marcou os enterros das outras vítimas. Cláudia Cristiane de Oliveira Souza, de 38 anos, foi sepultada no Cemitério Dom Bosco, em Perus. O enterro de Jenifer Chaves, de 11, ocorreu no Cemitério Parque das Cerejeiras, Jardim Ângela. ¿Ela era linda, radiante. Não dá para acreditar¿, lamentou a vizinha Valdete Guerra, de 34. Foi ela quem levou Jenifer ao show. ¿Fui com ela e minha filha. Vi que não era só uma sessão de autógrafos e ia dar confusão. Tentamos sair, mas uma onda de pessoas veio e jogou a Jenifer para o outro lado. Ela caiu e não levantou mais.¿

O secretário municipal da Habitação, Orlando Almeida, disse que os responsáveis pelo show serão punidos de forma ¿exemplar¿ caso não tenham feito o pedido de licença para o evento. A autorização deveria ter sido solicitada à Subprefeitura da Capela do Socorro ou ao Departamento de Controle do Uso de Imóveis (Contru). A subprefeitura já disse que não foi procurada. Almeida acredita que o Contru também não.¿A informação está nos computadores dos técnicos e ainda não posso dizer se a licença foi pedida.¿

O diretor de Comunicação do Pão de Açúcar, Paulo Pompílio, disse ontem que ainda não havia checado os documentos entregues à Prefeitura. ¿Nossas atenções estão voltadas para as famílias das vítimas. Mas vamos prestar esclarecimentos.¿ O Pão de Açúcar informou ter pago os enterros de ontem e a internação em clínicas de três feridos ainda em observação. A polícia começa hoje a ouvir depoimentos sobre a tragédia. O objetivo do inquérito é apurar se houve homicídio culposo (não intencional), por negligência dos organizadores. ¿Vamos ouvir vítimas e testemunhas. Só depois ouviremos os patrocinadores e quem inventou de fazer a manhã de autógrafo naquele lugar¿, disse o delegado-seccional de Santo Amaro, Reinaldo Correa.