Título: Um novo mundo na Indonésia
Autor: Herton Escobar
Fonte: O Estado de São Paulo, 08/02/2006, Vida&, p. A15

Longe da imensidão da Amazônia, na ilha indonésia de Nova Guiné, cientistas encontraram um "mundo perdido" de raras e novas espécies das florestas tropicais. Durante uma expedição de 25 dias nas Montanhas de Foja, em dezembro, os pesquisadores se depararam com mais de 700 tipos de plantas e animais - alguns nunca antes registrados na Indonésia e outros nunca vistos pelo homem.

"É uma daquelas áreas que realmente ficaram perdidas no tempo", conta o ornitólogo Bruce Beehler, da organização Conservação International (CI), que foi um dos coordenadores da expedição. Ainda recém-chegado da Nova Guiné, ele estima que o número de novas espécies seja "no mínimo de 20", podendo chegar a mais de 40, incluindo aves, anfíbios, borboletas e plantas.

Em alguns casos, o biólogo pode reconhecer uma nova espécie apenas com um olhar. Em outros, a diferenciação só pode ser feita por exames comparativos de DNA.

As confirmações podem levar meses para ser feitas, pois cada espécime coletado precisa ser minuciosamente descrito e comparado a exemplares semelhantes, para ter certeza de que se trata de uma espécie inédita.

Um dos objetivos da expedição, segundo Beehler, era verificar a capacidade das montanhas de "produzir" novas espécies por meio do isolamento ambiental e geográfico. O processo, conhecido como especiação, é mais facilmente observado em ilhas menores, isoladas dos continentes, onde as espécies adquirem características diferenciadas.

Nesse caso, além da separação geográfica da própria ilha da Nova Guiné, as espécies estavam isoladas pelas condições ambientais de temperatura e umidade das montanhas. "O topo de uma cadeia de montanhas é como uma ilha no céu", compara Beehler. "A parte mais baixa da floresta é como um oceano quente, e as espécies que vivem no alto não descem até lá."

As Montanhas de Foja formam uma área de mais de 300 mil hectares de floresta tropical, em grande parte intocada pelo homem. "Não há estradas, trilhas, vilas ou pessoas", afirma Beehler. O local da expedição ficava a 30 minutos de helicóptero da comunidade mais próxima. O terreno é tão selvagem, entretanto, que a pé levaria mais de dez dias para percorrer a mesma distância, segundo ele.

Um acampamento foi montado a mais de mil metros de altitude e outro à beira de uma lago, onde os cientistas enfrentaram dias contínuos de chuva e lama. A equipe era formada por 12 especialistas, incluindo 8 pesquisadores da Indonésia e quatro americanos e australianos. A expedição foi montada pela CI e pelo Instituto de Ciência da Indonésia.

O inventário de novidades inclui espécies nunca antes documentadas na Nova Guiné (inéditas para a região) e outras nunca antes registradas pela ciência (novas para o planeta).

As surpresas não demoraram a aparecer. Minutos após desembarcarem na selva, os pesquisadores deram de cara com uma espécie desconhecida de ave-do-mel - a primeira nova espécie de ave descoberta na Nova Guiné desde 1939. Outro encontro marcante foi com a ave-do-paraíso, uma espécie raríssima e de origem enigmática, que nunca havia sido fotografada. Também foram descobertas 20 novas espécies de anfíbios, quatro de borboletas e pelo menos cinco de palmeiras.

Até os mamíferos surpreenderam. Durante caminhadas na mata, os cientistas encontraram equidnas de bico longo, um raro e estranho mamífero que bota ovos e tem o corpo coberto de espinhos. Também encontraram vários espécimes de Dendrolagus pulcherrimus, um tipo ameaçado de canguru arbóreo que, até então, pensava-se existir apenas na vizinha Papua Nova Guiné. "Esse é o primeiro registro dessa espécie na Indonésia e apenas o segundo local conhecido na Terra onde ela existe", anotaram os pesquisadores. Ao todo, foram registradas 40 espécies de mamíferos.

"O trabalho mostra que ainda há lugares no planeta que preservam seu estado original, muito próximo do que eram antes do contato com populações humanas", diz o pesquisador Enrico Bernard, que coordena um projeto semelhante da CI no Amapá. Desde agosto de 2004 já foram realizadas nove expedições aos biomas do Estado, incluindo quatro para áreas isoladas do Parque Nacional Montanhas do Tumucumaque, a maior reserva de floresta tropical do mundo.

As viagens já renderam o registro de centenas de espécies, incluindo várias inéditas para o Amapá, o Brasil e a ciência.