Título: Lula critica 'nervosismo eleitoral' e reeleição
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/02/2006, Nacional, p. A13

Em viagem à África, presidente afirma que tem muito o que fazer até o dia 31 de dezembro

Numa estocada em seu antecessor, o tucano Fernando Henrique Cardoso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva declarou ontem em Argel que não pode permitir que o "nervosismo eleitoral" o desvie de sua atribuição de governar até o fim de seu mandato, em dezembro deste ano. Com o cuidado de não confirmar sua candidatura em 2006, Lula voltou a bater na tecla de que é contrário ao direito de reeleição e de que pretende se preservar de um anúncio prematuro de sua decisão sobre a corrida eleitoral, previsto apenas para meados do ano.

"Não gostaria que, no Brasil, existisse a reeleição. Mas existe", afirmou Lula aos jornalistas que acompanham sua viagem à África. "O presidente da República não pode ter pressa da reeleição. Ao contrário, deve-se levar em conta que o presidente tem de governar até o dia 31 de dezembro de 2006. Eu tenho muito o que fazer."

Lula insistiu em que está "confiante" e "tranqüilo" com relação à possibilidade de crescimento econômico em 2006 e com a "extraordinária" geração de empregos e distribuição de renda. "Os dados estão aí para todo mundo ver. Agora, eu não posso permitir que o nervosismo eleitoral faça com que o presidente tire a cabeça do principal, que é a economia brasileira, o povo brasileiro e o desenvolvimento do Brasil."

Em rara atitude, o presidente convidou os jornalistas brasileiros para um café da manhã, ontem, na Residência Oficial de Zeralda, onde foi hospedado pelo governo da Argélia, a primeira etapa desta viagem pela África. Na conversa informal que Lula manteve com a imprensa ainda à mesa, enquanto tomava dois cafés expressos com adoçante e fumava uma cigarrilha, a idéia era que o tema preferencial fosse a viagem.

Após o café da manhã, quando já se preparava para receber autoridades argelinas, concedeu uma rápida entrevista registrada pelas câmaras de TVs e gravadores. Mas escapou de questões mais embaraçosas, como a declaração de FHC de que "a ética do PT é roubar". Anteontem, em posição igualmente confortável e protegida, o presidente valera-se amplamente de seu ministro da Integração Nacional, Ciro Gomes, como vanguarda. Por três vezes, Ciro atacou FHC, de quem foi no passado aliado político.

VÍTIMA

Apesar de retomar, sempre que possível, sua posição contrária ao instituto da reeleição, o presidente Lula não se moveu nesses três anos de mandato para eliminá-lo. Comumente, afirma que essa mudança na regra eleitoral deverá acontecer apenas em 2010. Entretanto, em outubro do ano passado, na cidade do Porto, em Portugal, declarou que enviaria ao Congresso uma proposta de emenda constitucional com essa alteração.

Em geral, Lula costuma se qualificar como uma "vítima" das mudanças nas regras eleitorais nos anos 90. Em 1997, quando não havia dúvidas de que se candidataria no ano seguinte, o então presidente FHC encaminhou uma proposta de emenda constitucional ao Congresso com o objetivo de tornar a reeleição um direito. Para Lula, a medida foi aprovada como meio de tornar inviável sua eleição e de garantir mais quatro anos para FHC, que navegava na popularidade do Plano Real.