Título: Discussão desfocada
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/03/2006, Notas e Informações, p. A3

Entre os temas econômicos que deverão predominar na campanha eleitoral estará o das causas do ritmo lento do crescimento econômico. Para não deixar sem resposta os que o responsabilizaram pelo desempenho medíocre da economia brasileira em 2005, quando o PIB cresceu apenas 2,3%, o governo prometerá vida melhor para todos daqui para a frente, mas sem indicar como pretende alcançar esse objetivo. Já seus adversários irão concentrar suas críticas nas políticas monetária e cambial do governo.

É muito pouco provável que qualquer dos candidatos prometa atacar, se for eleito, os fatores que realmente impedem o crescimento mais rápido, entre os quais o principal é a grave crise que afeta o setor público brasileiro, como deixou claro o economista e ex-diretor do Banco Central Ilan Goldfajn, em entrevista que concedeu ao jornal Valor.

Os juros altos encarecem os investimentos e, assim, atrasam a expansão do parque produtivo, bem como inibem o consumo. Mas, observa o ex-diretor do BC, eles não são a causa do mal que afeta o desempenho da economia. São o sintoma do mal, que é o crescimento das despesas do governo.

As medidas necessárias para deter esse crescimento e reduzir os custos do Estado Nacional Brasileiro - em primeiro lugar a reforma previdenciária - afetam interesses poderosos e não são populares, o que levará todos os candidatos a evitar tocar nesse assunto durante a campanha eleitoral.

Chegou-se, porém, a uma situação insustentável, diz Goldfajn, que obrigará o próximo governo a tratar das reformas necessárias para atingir esse objetivo no primeiro ano do seu mandato. A carga tributária, que vem crescendo há vários anos, já atingiu o limite que a sociedade pode suportar. Paga-se aqui mais imposto do que em qualquer outro país em condições econômicas comparáveis às nossas. O cidadão brasileiro paga imposto de Primeiro Mundo, mas, em troca, obtém serviços de Terceiro Mundo, quando os consegue obter. Mas nem com uma carga tributária tão pesada como a que os brasileiros são obrigados a arcar se vislumbra, nas condições atuais, uma solução para o problema do financiamento dos gastos do setor público. O crescimento da receita não tem sido suficiente para cobrir as despesas.

"Com a arrecadação chegando a 40% do PIB, com esse tamanho do Estado, a despesa subindo 10% em termos reais por ano, a situação é insustentável", advertiu Goldfajn. "Nesse ritmo, em dez anos a despesa dobrará em termos reais."

Não há exagero nessas observações. Os superávits primários acumulados pelo setor público nos últimos anos, por evitarem o crescimento descontrolado da dívida, têm sido elogiados. Sem eles, a situação seria muito pior. Para muitos, os superávits se tornaram uma espécie de atestado de boa política fiscal. Mas esses resultados primários acabaram por acobertar, pelo menos para boa parte da população, uma grave deterioração das finanças públicas, sintetizada no aumento incontido dos gastos. Em 2005, por exemplo, as receitas totais do governo federal cresceram 16,4%, mas suas despesas cresceram no mesmo ritmo, 16,3%.

Com a economia crescendo apenas 2,3%, os grandes grupos de despesa da União aumentaram como proporção do PIB. Entre 2004 e 2005, os gastos com pessoal passaram de 4,7% para 4,8% do PIB; os benefícios pagos pelo governo, de 7,1% para 7,6%; e as despesas de custeio e de capital, de 5,3% para 5,9%. Parece pouco, mas é um aumento ininterrupto, e o nível dessas despesas já está acima do que pode ser tolerado pela economia.

A crítica, porém, é concentrada no Banco Central. É possível que ele tenha cometido erros de dosagem no caso dos juros, ou de avaliação da tendência da atividade econômica. Pode também ter pecado em não expor claramente ao público as razões de suas decisões sobre os juros, pois lhe falta autonomia para isso. Mas o fato é que, se elas contribuem para retardar o crescimento, o problema principal está na estrutura dos gastos públicos, que o BC não comanda.

É urgente atacar o problema pelo lado fiscal, com reformas tributária, da previdência e outras que impeçam o crescimento contínuo das despesas. Mas a discussão está desfocada, pois até as eleições os principais atores da política nacional não querem falar disso.