Título: 'Sobrevida tende a ser cada vez maior e com qualidade'
Autor: Adriana Dias Lopes
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2006, Vida&, p. A10

Especialista brasileiro se diz otimista com pesquisa de drogas contra um dos tipos mais agressivos de câncer, o de colo retal

Paulo Hoff: OncologistaEntrevistaAté hoje, o oncologista brasileiro Paulo Hoff, de 37 anos, trabalhou mais tempo nos Estados Unidos do que em seu próprio País. O primeiro passo fora daqui foi dado em 1990, quando partiu de Brasília para a Universidade de Miami, onde fez residência. Logo depois, foi parar no M.D. Anderson, no Texas, o maior centro de câncer do planeta - são 600 leitos dedicados exclusivamente para casos de câncer e 4 mil pacientes atendidos por dia.

Lá, o sucesso foi meteórico. Em apenas sete anos, Hoff começou fazendo pós-residência, passou a professor-assistente e se transformou em vice-chefe do Departamento de Oncologia Gastrointestinal. Toda essa experiência ainda inclui mais de 80 trabalhos publicados em revistas internacionais especializadas.

Pois Hoff acaba de voltar ao Brasil. Desde 1º de fevereiro, ele ocupa o lugar de diretor-executivo do setor de Oncologia do Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo, um dos maiores centros de referência no assunto do Brasil. As razões da mudança vão além das profissionais. "Sou casado com uma brasileira, sentimos muita falta do contato familiar. Sei que se esperasse mais tempo, seria tarde demais para voltar", diz ele, referindo-se à dificuldade de convencer os três filhos de virem para o Brasil. "A mais velha, de 11 anos, teve de ser 'subornada' com um cachorrinho para topar vir."

A seguir, o médico, que se diz otimista, dá um panorama sobre um dos tipos de câncer mais agressivos, para o qual tem dedicado a maior parte do tempo da sua carreira, o câncer de colo retal.

Quais são as novidades no tratamento do câncer de colo retal?

Ando muito otimista. Hoje, 50 drogas estão sendo investigadas, todas exclusivamente para esse câncer. Claro que só a minoria vai entrar no mercado - sabe-se que, de cada 13 drogas que entram em estudo clínico, apenas uma é aprovada. Mesmo assim, o número nunca foi tão bom. Mas não é só a quantidade de remédios que me deixa otimista. Até pouco tempo, a novidade na medicina eram as drogas com capacidade de atingir só as células com o tumor, preservando as sadias. Agora, os medicamentos passaram a conseguir agir antes ainda, detonando os vasos que alimentam essas células doentes.

É o caso da bevacizumabe, certo?

Sim. Esse remédio faz com que as células doentes morram de fome. Essa foi a primeira droga com tal capacidade. E fico muito feliz porque foi justamente criada para o câncer de colo retal. O bevacizumabe (com o nome comercial de Avastin) é usado como terapia padrão nos Estados Unidos (no Brasil está em processo de avaliação no Ministério da Saúde). Logo muitas outras drogas vão chegar com a mesma capacidade. É claro que elas não curam o câncer. Mas fazem com que a sobrevida do paciente seja cada vez maior e com qualidade.

Hoje, as drogas garantem quanto tempo de vida ao paciente com o diagnóstico de estágio avançado da doença?

Estamos a caminho da média de três anos de vida com qualidade. Isso significa que tem gente que vai viver cinco anos em boas condições. Hoje, é comum nos Estados Unidos não se falar mais em cura do câncer. Mas, sim, em investir na qualidade de vida do paciente. O que acontece com o diabético ou com o hipertenso? Não existe cura para essas duas doenças, mas drogas que garantem a qualidade de vida durante um tempo maior.

O câncer de colo retal é conhecido como um dos mais traiçoeiros. Por quê?

Ele é agressivo. E os sintomas não são específicos. Eles podem muito bem ocorrer com uma pessoa normal: prisão de ventre, cólica e fezes fininhas, por exemplo. Nos Estados Unidos, onde são 150 mil novos casos a cada ano, ele já é considerado epidêmico.

Como ele age no organismo?

Ele aparece na parede interna do intestino grosso, o cólon. Depois de invadir toda a parede, as células doentes aprendem a "viajar", caindo na corrente sanguínea. As células normais do cólon, se caírem na circulação, morrem. Mas as doentes sofrem uma mutação e conseguem fazer isso. Os primeiros lugares que elas atingem são os linfonodos (áreas de defesa do corpo) ao redor do próprio cólon. Depois, vão para o fígado. Mas todo esse processo leva um bom tempo para acontecer.

Os exames preventivos podem ser eficazes?

Há dois tipos de exames eficazes. Um, é a detecção de sangue oculto nas fezes. Alguns dias antes do exame, o paciente faz uma dieta especial, sem comer carne, por exemplo. O alimento pode levar a um resultado falso positivo. A detecção de sangue é um indício de que há algo errado no cólon. Esse exame deve ser feito todo ano. Ele diminui em 30% as chances de câncer. O outro é a colonoscopia, que diagnostica e trata ao mesmo tempo. Nele, um tubinho com fibra ótica entra pelo ânus é vai até o cólon. Lá, ele não só detecta os pólipos (formações benignas no tamanho de uma verruga que podem dar origem ao câncer), como é capaz de retirá-los. O momento ideal da prevenção é exatamente quando os pólipos ainda não se transformaram em tumor. A colonoscopia deve ser feita a cada dez anos. Não existe um dado concreto, mas sabe-se que as chances de desenvolver o câncer para quem se submete a esse exame diminuem em mais de 30%.

Qual é a idade ideal para começar a fazer esses exames?

O câncer de colo retal é mais freqüente a partir dos 60 anos. Por isso, a indicação é que esses exames comecem a ser feitos a partir dos 50 anos, quando as chances de o tumor ser ainda um pólipo são maiores. Essa é uma vantagem desse tumor em relação aos outros, ele permite o diagnóstico antecipado. Mas há exceções, claro. Meu paciente mais jovem tem 12 anos. E quem tem histórico familiar deve começar a fazer bem antes dos 50. A data exata, nesse caso, deve ser determinada de forma individual.

Qual vai ser o seu primeiro passo no Hospital Sírio-Libanês?

Oficialmente, já ocupei o cargo de diretor-executivo do setor de Oncologia do hospital, mas, por enquanto, vou ficar muito na ponte aérea. Minha família ainda está nos Estados Unidos e tenho projetos para terminar por lá. Mas a idéia é incrementar ainda mais o centro de pesquisa do Sírio. O Brasil, sem dúvida, tem os melhores centros de oncologia da América Latina, com oncologistas bem formados e interessados em pesquisa. Além do Sírio, lembro agora do Hospital do Câncer, do Hospital Albert Einstein, do Hospital das Clínicas, em São Paulo, e do Instituto Nacional do Câncer. Todos de primeira.