Título: Mais matérias no ensino médio
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Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2006, Notas e Informações, p. A3

A última iniciativa do Ministério da Educação é tornar obrigatória as disciplinas de sociologia e filosofia no currículo do ensino médio. A idéia é requalificar esse nível de ensino, cujo programa estaria esvaziado na área de ciências humanas. Segundo o MEC, sociologia e filosofia são matérias essenciais para o desenvolvimento da capacidade de raciocínio, análise e crítica dos alunos.

As duas disciplinas já são oferecidas pela rede escolar pública de 12 Estados. Para levar as demais unidades da Federação a fazer o mesmo, o governo acaba de enviar um projeto para avaliação do Conselho Nacional de Educação (CNE). Com isso, o órgão retomará uma antiga discussão sobre o alcance da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), que está em vigor há dez anos. Segundo parecer de 1997 do CNE, a LDB enfatiza a importância da filosofia e da sociologia no ensino médio, mas não as impõe como disciplinas obrigatórias. Já a equipe do ministro Fernando Haddad afirma que essas disciplinas teriam sua obrigatoriedade expressamente prevista pela LDB. "Não será uma matéria pacífica no Conselho", diz o presidente da Câmara de Educação Básica do CNE, Cesar Callegari.

Para se ter idéia de como o debate será acalorado, há quatro anos o então presidente Fernando Henrique vetou um projeto de lei concebido com a mesma finalidade da atual proposta do governo. Embora o projeto tivesse apoio de conceituados pedagogos, o presidente justificou o veto alegando que não existia número suficiente de professores de filosofia e sociologia para atender à futura demanda. "A questão da falta de professores exige atenção, mas faltam também para física, química e biologia no ensino médio. Isso não pode ser obstáculo para que elas façam parte da grade curricular", afirma a atual diretora da Secretaria de Educação Básica do MEC, Lúcia Helena Lodi.

Em princípio, as duas partes têm razão. Em 2004, de todos os formandos em filosofia no País, apenas 245 optaram por fazer licenciatura, o que os habilita a lecionar a disciplina. Quanto à área de sociologia, a única informação de que o MEC dispõe é que, no mesmo ano, os cursos de ciências sociais tiveram somente 2,3 mil formandos. De fato, é um número pequeno. No entanto, como o mercado de trabalho para esses professores sempre foi restrito, uma vez que filosofia e sociologia são disciplinas optativas para a rede escolar, os vestibulandos atualmente não têm maiores estímulos para escolher essa carreira.

Na realidade, apenas quando houver uma demanda por professores de filosofia e sociologia induzida pelo MEC é que o número de formandos nessas duas áreas das ciências humanas, devidamente habilitados pelos cursos de licenciatura, aumentará. "É preciso oferecer as disciplinas para estimular as pessoas a cursarem", afirma a coordenadora de Normas e Estudos Pedagógicos da Secretaria de Educação de São Paulo, Valéria de Souza. Depois que passou a oferecer essas matérias no ensino médio desde o ano passado, após uma consulta às escolas, e a adotá-las nas 500 escolas do ensino básico que têm período integral, este ano, a rede escolar do Estado já conta com cerca de 1,8 mil professores de filosofia.

Além do debate em torno da LDB e da escassez de professores, a proposta que o MEC enviou ao CNE deve ainda esbarrar em outro problema. Trata-se da oposição de parte da rede escolar privada à medida. Como a obrigatoriedade das disciplinas de filosofia e sociologia no ensino médio levará os colégios particulares a terem de aumentar seu corpo docente, muitos deles alegarão que não têm condições de repassar a elevação de seus custos para o valor das mensalidades. É o caso das escolas localizadas nos bairros de classe média baixa e cujos alunos são filhos de assalariados.

Melhorar a qualidade do ensino fundamental sempre foi um dos grandes desafios do País e a iniciativa do governo é um passo importante para elevar o nível médio de escolaridade das novas gerações. É por isso que ela precisa ser debatida com sensatez e objetividade pelas partes interessadas, para não correr o risco de ser abortada ou implementada de modo açodado.