Título: Pela 1ª vez ,EUA mencionam mensalão em texto oficial
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/03/2006, Nacional, p. A7

Documento sobre lavagem de dinheiro e terrorismo cita casos de corrupção "de escopo espetacular"

Um relatório anual do governo americano divulgado ontem faz, pela primeira vez oficialmente, uma extensa descrição dos escândalos de corrupção que estremeceram o governo do presidente Lula. O texto, voltado ao combate ao crime organizado, pede ao governo brasileiro para "criminalizar o financiamento de terrorismo como uma ofensa autônoma" dentro das leis brasileiras.

O documento reconhece os esforços e progressos feitos pelo País no combate ao narcotráfico e a outros ilícitos. Mas faz uma descrição dura do cenário político, ao dizer que Executivo e Congresso estão investigando as acusações feitas em 2005 contra "figuras públicas corruptas, incluindo inspetores de alfândega, autoridades federais tributárias e altas figuras políticas e o uso de empresas offshore para lavagem de dinheiro".

As denúncias investigadas envolveriam "um leque de atividades corruptas de escopo espetacular", segundo o relatório.

Numa referência clara ao escândalo do mensalão, o documento lembra que as investigações ainda em curso realizadas pelas várias CPIs "revelaram um escândalo de corrupção de várias camadas, envolvendo a alegada compra de votos pelo Partido dos Trabalhadores do presidente, financiada por propinas em contratos", bem como o uso de instituições financeiras na lavagem de dinheiro.

"Parece que dois bancos regionais serviram de conduto para pagamentos ilícitos, fazendo uso de contas bancárias de uma firma de publicidade", informa o documento, em alusão ao Banco Rural, ao BMG e às agências de Marcos Valério. O relatório faz referência indireta também ao publicitário Duda Mendonça na frase "parece que alguns pagamentos foram feitos em contas no exterior".

Mesmo quando elogia o aumento do número de operações de repressão à lavagem de dinheiro, o documento recorda dados inquietantes. Um deles refere-se ao Banestado, alvo de uma CPI que sofreu pressões e não chegou longe. O relatório lembra que o Banestado foi um dos cinco bancos que operavam na área da chamada tríplice fronteira - entre o Brasil, a Argentina e o Paraguai - em 1995, quando foram autorizados a abrir CC-5 para movimentar divisas.

Anne Patterson, subsecretária de Estado encarregada do combate ao narcotráfico, afirmou em entrevista que Washington tem "informações consideráveis" sobre o financiamento de atividades terroristas na tríplice fronteira. "É uma área sem governo há muitas gerações, um centro de contrabando, e agora está sendo usada para facilitar financiamento ao terrorismo", disse.

Lembrada de que o governo brasileiro nega a existência do problema, ela respondeu: "Não posso entrar em detalhes, mas temos confiança nas nossas informações."

No ano passado, em visita à América do Sul, o secretário de Defesa, Donald Rumsfeld, disse que o alegado envio de fundos por membros da comunidade palestina da tríplice fronteira a movimentos radicais no Oriente Médio representava uma ameaça aos interesses da segurança dos EUA. Em nova visita, assessores de Rumsfeld disseram que a preocupação de Washington com o problema havia diminuído. Ontem, Anne Patterson voltou a enfatizar a questão.