Título: Política, economia e cenário eleitoral
Autor: Lourdes Sola e Maria Cristina Mendonça de Barros
Fonte: O Estado de São Paulo, 11/02/2006, Espaço Aberto, p. A2

Os analistas políticos e econômicos estão mais confortáveis quanto ao teor das incertezas que deverão balizar a concorrência eleitoral. Quando comparado às disputas anteriores, nesta mesma altura do ano, o quadro é menos imprevisível em dois aspectos cruciais. De um lado, o risco eleitoral associado a populismos que ameacem a solvência fiscal do País - critério privilegiado pelo mercado financeiro - continua baixo, a julgar pela redução do risco País da ordem de 37% em 2005 e de 15% no que vai de 2006. De outro, é cada vez mais claro em que termos se dará o debate eleitoral no que se refere à economia: a capacidade propositiva dos candidatos para ativar as condições de crescimento sustentável compatível com estabilidade econômica e com as oportunidades no cenário internacional.

A leitura do cenário político em perspectiva histórica, no entanto, obriga a considerar transformações que exigem uma revisão das ferramentas e dos conceitos que utilizamos. Destacam-se duas. Primeira: no curto prazo, dado o quadro internacional favorável, as principais fontes de instabilidade estão na esfera da "política" doméstica, mais do que no desempenho da economia. Segunda: o horizonte de esperança de segmentos cruciais da opinião pública e do eleitorado, em geral, se estreitou abruptamente em 2005. Menos pelos custos sociais da ortodoxia econômica, que rendeu alguns frutos, do que pelo severo estresse a que está submetido o partido dominante no governo, o PT, como símbolo do binômio esperança-mudança e como provedor de novos horizontes. Por isso, tão importante quanto dar resposta às questões conjunturais, como qual será a amplitude da coalizão eleitoral de apoio a Lula, ou estimar os efeitos do fim da verticalização sobre as estratégias dos partidos, é perguntar se os parâmetros que irão balizar o cenário eleitoral em 2006 são similares aos que prevaleceram no passado. Dito de outro modo: em que medida os vetores decisivos para a formação das preferências do eleitorado e/ou do clima econômico e político que condiciona os cálculos da classe política e dos investidores são similares aos anteriores?

Nossa convicção é a de que os vetores são os mesmos, mas mudou significativamente o padrão de relações entre eles - de forma inédita na história da democracia brasileira. Continuam sendo os quatro seguintes: 1) o grau de confiança do mercado; 2) o desempenho da economia em termos de crescimento, renda e emprego; 3) a estabilidade das regras do jogo e a legitimidade dos atores políticos em disputa; 4) a eficácia das políticas sociais que o eleitor julga como aquelas que melhor definem seu direito a ter um Estado eficaz: saúde, educação, segurança e habitação. Então, o que mudou?

A novidade é que esses vetores aparecem relativamente desvinculados entre si, no sentido de que as incertezas se deslocaram para a esfera da política, onde se concentram e se adensam, mas com baixa probabilidade de contaminação da economia pela política. A que se deve isso? Será que os fundamentos econômicos são tão sólidos ou, inversamente, estariam nossas instituições democráticas tão consolidadas a ponto de garantir que a economia e o mercado funcionem a partir de uma lógica e de uma dinâmica autônomas? Nem uma coisa nem outra; a explicação passa por avanços parciais nas duas direções. O alto grau de confiança do mercado se deve não só a uma conjuntura internacional favorável, mas também a um baixo risco eleitoral, dado que aposta na polarização entre candidaturas consideradas "responsáveis", avessas a populismos: entre um dos candidatos do PSDB (com preferência pelo governador de São Paulo) e Lula. Dessa ótica, o risco eleitoral se concentra em Garotinho e, embora aumente com a queda da verticalização, pois nesse caso o PMDB terá candidato próprio à Presidência, sua candidatura deverá passar ainda pelo filtro da disputa com o governador do Rio Grande do Sul, Germano Rigotto, cuja legitimidade interna é maior.

No outro vetor, o do desempenho da economia, não é bastante bom a ponto de favorecer o candidato oficial, nem tampouco é crítico o bastante a ponto de abrir espaço automaticamente para um candidato de oposição. Um crescimento estimado de 3,5% do produto interno bruto, com recuperação moderada da massa salarial estimada em 5,5% e com uma taxa de desemprego praticamente no mesmo patamar de 2005 (9,2% x 9,8% ao ano), pode ser considerado um quadro econômico "neutro" para a formação das preferências eleitorais. Da mesma forma, limita o espaço para candidatos populistas, cujo discurso é mais eficaz em condições de crise econômica e polarização social.

É na esfera da política, portanto, que se concentram os fatores de instabilidade e de incerteza com provável impacto eleitoral. É de se prever que a visibilidade dos escândalos de corrupção, graças à CPMI dos Correios, à CPI dos Bingos e à atuação do Ministério Público e da Polícia Federal, tenha efeitos contraditórios - e esteja na dependência das decisões da classe política. Por um lado, a crise que se iniciou como uma crise de governo, do PT e de alguns dos partidos da coalizão governamental pode culminar num avanço institucional, a julgar por iniciativas disciplinadoras do financiamento das campanhas e aperfeiçoamento dos mecanismos de prestação de contas pelos membros do Executivo e do Legislativo. Por outro, os efeitos da recusa em punir os transgressores, a transigência corporativa dos parlamentares, incluídos os das oposições, são de molde a aprofundar a erosão da legitimidade política do Legislativo e também do Executivo.

O ano de 2006 aponta para maior clareza quanto aos parâmetros que condicionam a construção do cenário eleitoral - eixo em torno do qual deverão gravitar as decisões políticas do ano.