Título: EUA e Índia fecham acordo nuclear
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Fonte: O Estado de São Paulo, 03/03/2006, Internacional, p. A10

O governo americano fornecerá tecnologia e combustível e Nova Délhi aceitará inspeção de 14 usinas atômicas

O presidente americano, George W. Bush, e o primeiro-ministro indiano, Manmohan Singh, anunciaram ontem um histórico acordo que ajudará a Índia a satisfazer sua enorme necessidade de energia, ao mesmo tempo que lhe permitirá continuar a desenvolver suas armas nucleares.

Segundo o acordo, que ainda precisa ser aprovado pelo Congresso americano, os EUA compartilharão sua tecnologia e combustível nucleares com a Índia para ajudar a manter a crescente economia indiana. Após dias de negociações, os EUA aceitaram a última proposta indiana. Até quarta-feira, a Índia falava em classificar apenas quatro reatores como parte de seu programa civil. Essa definição era crucial porque determinava quais reatores passariam a receber inspeções de especialistas internacionais pela primeira vez e quais seriam mantidos como militares, portanto, imunes aos olhares estrangeiros. Ontem, a Índia concordou em classificar 14 de seus 22 reatores como civis.

O acordo, no entanto, está longe de agradar parte do Congresso americano. A Índia não é signatária do Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP), o que tenta conter a expansão das armas atômicas. E o acordo, se aprovado, legitimará a Índia como uma potência nuclear que permanece fora do TNP. Isso cria um precedente que poderá encorajar outros países a desenvolver programas de armas atômicas à revelia da comunidade internacional. Além disso, o acordo aparentemente ressalta uma política americana com dois pesos e duas medidas. Premia a Índia, mas continua a pressionar o Irã, que faz parte do TNP, a abandonar suas supostas ambições de produzir armas nucleares.

Vários analistas interpretam o acordo como parte de uma grande estratégia americana para o futuro da região. Dizem que os EUA estão apostando na Índia como um contrapeso ao crescimento da China e à sua influência política. Ontem a China mostrou-se contrariada e pediu à Índia que abandone suas armas nucleares e assine o TNP, para contribuir com o fortalecimento do regime internacional de não-proliferação nuclear.

O acordo, que começou a ser negociado em julho, foi saudado por Bush e Singh como um importante avanço nas relações bilaterais menos de uma década após as duas nações entrarem em confronto. Os EUA impuseram sanções temporárias contra a Índia em 1998 após o país realizar testes nucleares. "O que esse acordo diz é: as coisas mudam, os tempos mudam e liderança pode fazer a diferença", disse Bush em uma entrevista coletiva em Nova Délhi. O acordo também está sendo considerado um sucesso pelos empresários indianos e a coalizão governista liderada pelo Partido do Congresso. Nas ruas, no entanto, milhares de indianos em várias cidades protestaram contra a visita de Bush.