Título: Movimentos sociais reavaliam Lula
Autor: Roldão Arruda
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2006, Nacional, p. A10

Os movimentos sociais - das organizações de sem-terra às pastorais sociais da Igreja Católica, passando por centrais sindicais e entidades indígenas - já deram início à temporada de avaliações do governo de Luiz Inácio Lula da Silva, para poder definir suas posições nas próximas eleições. Um dos eventos importantes dessa rodada é a plenária nacional da Coordenação dos Movimentos Sociais, que vai acontecer em São Paulo no sábado, com representantes de 14 Estados e de quase 30 organizações - tais como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), o Movimento dos Sem-Terra (MST) e a União Nacional dos Estudantes (UNE).

O principal debate entre movimentos sociais e ONGs sobre o governo Lula e as eleições, porém, está previsto para abril. Será no Recife, durante o Fórum Social Brasileiro, para o qual são esperadas 20 mil pessoas. O tema central do encontro será Caminhos Para Um Outro Mundo Possível - A Experiência Brasileira.

Embora o objetivo oficial seja avaliar a ação das ONGs e dos movimentos sociais, já se sabe que o governo Lula estará no centro dos debates. A expectativa em torno desse encontro é tão forte - tanto entre os grupos que apóiam Lula quanto entre os seus críticos - que nos bastidores já afloram disputas em torno do temário e até sobre a marcha de abertura.

De acordo com suas normas, o fórum não produzirá nenhum documento sobre o governo ou as eleições. Isso não impedirá que os grupos e movimentos participantes o façam, transformando o evento num debate pré-eleitoral. "O fórum só cria o espaço, a estrutura cívica para que as entidades e movimentos façam o debate", diz uma das integrantes do comitê organizador, Salete Valesan Camba, do Instituto Paulo Freire. "Mas é provável que os participantes discutam propostas de políticas públicas, definam o que consideram prioridade para o próximo governo, seja ele qual for."

À MARGEM

Para o ex-petista Chico Whitaker, ligado à Igreja Católica e também integrante do grupo organizador do fórum, o encontro do Recife poderá aprofundar as discussões sobre como fazer política à margem dos partidos e dos governos. Alinhado no time dos que se desiludiram com Lula, ele defende que não adianta eleger governos com propostas de esquerda se a sociedade civil não está organizada para cobrar suas promessas.

Uma das propostas que deve ser discutida no Recife é a de afastar os movimentos sociais e as ONGs dos partidos e dos candidatos nas próximas eleições. Desta forma, seriam discutidas e apresentadas idéias do governo e de toda sociedade. Se algum candidato as encampasse poderia eventualmente ganhar o apoio dos movimentos.

A proposta é inspirada parcialmente no subcomandante Marcos, do Exército Zapatista de Libertação, do México. Em plena campanha eleitoral para a presidência da república, ele viaja pelo país com o intuito de mobilizar movimentos sociais e comunidades em torno de um plano nacional de lutas que ignora os partidos existentes. É a chamada Outra Campanha.

No Brasil, há sinais de que a maior parte dos movimentos sociais tende a apoiar o candidato do PT - como aconteceu em 2002. A diferença é que, após terem engolido várias decepções com Lula, tendem a se envolver e a se comprometer menos com o processo eleitoral.

Na CUT, o responsável pela área de movimentos sociais, Antonio Carlos Spis, observa que o volume de queixas contra o governo na área social é grande, envolvendo questões como demarcação de terras indígenas, reforma agrária, moradia. "O Lula ainda desfruta de um grande grau de confiança e muitos grupos depositam esperanças nele, mas o apoio deste ano será mais crítico que no passado", diz Spis. "Não se pode aceitar que ele continue investindo tão pouco na área social."

No MST, o distanciamento crítico parece ganhar corpo. Em entrevista ao Jornal dos Sem Terra, um dos pensadores da organização, o coordenador nacional Gilmar Mauro, observou que o governo passou três anos sem uma política clara em relação à reforma agrária. Segundo o líder do MST, "o que foi feito neste período na área da reforma agrária se parece mais com uma compensação do que com algo que aponte, realmente, para a modificação da estrutura fundiária no País."

Ainda segundo Gilmar, as esperanças depositadas em Lula pelos movimentos sociais e os resultados pouco alentadores de seu governo teriam provocado até certo desencanto com o processo eleitoral: "A população ainda vota, as eleições têm papel importante, mas ninguém acredita que estas instituições venham a promover mudanças."

ACUSAÇÕES

Outra medida do nível de descontentamento com o governo foi dada num recente documento do Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas - que reúne as maiores associações indígenas e ONGs do País. Ali, o governo é acusado de ter desmantelado a política do setor, "com flagrantes violações dos direitos consagrados dos povos indígenas". Ainda de acordo com o fórum, "o governo brasileiro não mais demarca as terras indígenas e faz uma política de abandono no atendimento à saúde".

Na semana passada, a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) engrossou o corou dos descontentes. O presidente da entidade, cardeal Geraldo Majella Agnelo, e o secretário-geral, d. Odilo Scherer, bateram duro nas altas taxas de juros e chamaram de assistencialistas as políticas sociais.