Título: Hora da verdade para Palocci
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Fonte: O Estado de São Paulo, 15/03/2006, Notas e Informações, p. A3

A entrevista da repórter Rosa Costa, publicada ontem neste jornal, com Francenildo Santos, o Nildo, caseiro da mansão que serviu de sede da República de Ribeirão Preto em Brasília, deixa o ministro da Fazenda Antonio Palocci perto de sofrer uma hemorragia política provavelmente terminal. Tempos atrás, ao falar à CPI dos Bingos - que aliás só faltou estender um tapete vermelho para a sua passagem pelo recinto -, Palocci negou taxativamente que alguma vez tivesse posto os pés no afamado casarão do Lago Sul, alugado por seu assessor na prefeitura daquela cidade paulista, Vladimir Poleto.

Entre meados de 2003 e começos do ano seguinte, quando foi desativado sob o impacto do Waldogate, o imóvel servia de entreposto financeiro e cenário para festas apimentadas. A corriola do ministro que por ali passava, entregando, recebendo, dividindo e distribuindo dinheiro de origem e destino decerto ilícitos, incluía, além de Poleto, o notório Rogério Buratti, depois o mais contundente acusador do ex-prefeito, o ex-secretário municipal e assessor da presidência da Caixa Econômica Federal Ralf Barquete (falecido em 2004) e o secretário particular de Palocci na Fazenda, Ademirson Ariosvaldo da Silva.

O primeiro a contradizer o ministro foi o motorista Francisco das Chagas Costa. Na semana passada, na mesma CPI dos Bingos, ele disse tê-lo visto na mansão "umas duas ou três vezes". Palocci tornou a negar. Mas, agora, ainda que continue aferrado à própria versão, a força dos indícios contra ele se tornou inversamente proporcional à sua credibilidade. O ministro sabe disso. Informado de que Nildo assegurou ao Estado, com acachapante riqueza de detalhes, que o viu ali "umas 10 ou 20 vezes", a sua reação sugere que ele ficou sem fôlego para dizer que não só o motorista, mas também o caseiro mentiam. Mandou a assessoria dizer, delicadamente, que "não estão falando a verdade".

Piauiense de Nazária, o caseiro é um moço simples. Diz ter resolvido contar o que contou por medo, depois de ser citado por Francisco na CPI. "Do lado dele (Palocci), não sou nada", afirmou em dado momento da entrevista. "Mas ele está mentindo." O testemunho de Nildo não se limita às visitas de Palocci, a quem a patota só se referia como "chefe", sempre avisadas com antecedência, com um pedido para que as luzes na frente da casa fossem apagadas. O ministro chegava só, dirigindo o carro que pertencia a Ralf Barquete, um Peugeot prata com vidros escurecidos.

Mais de uma vez, Nildo viu "pacotes de R$ 100 e R$ 50" na mala de Vladimir Poleto. O dinheiro viria "da empresa do doutor Rogério (Buratti). Um dia ele e Francisco foram ao Ministério da Fazenda. No estacionamento, o motorista entregou ao secretário particular Ademirson, em um envelope, o que Nilson garante que "era muito dinheiro, não era pouco. Acho que R$ 5 mil, R$ 6 mil, R$ 7 mil". Por onde quer que se examinem as palavras do caseiro, nada sugere má-fé ou que ele tenha sido pago ou ameaçado para falar. Perguntado se o dinheiro entregue na Fazenda era para Ademirson ou para o chefe, respondeu: "Não posso informar, não. Não sei o que eles faziam com esse dinheiro, não."

Antes até dessa entrevista, era visível a olho nu a deterioração da figura de Palocci junto aos seus maiores aliados - os políticos da oposição tucano-pefelista no Congresso. Entre eles, evidentemente por causa da continuidade da política econômica do segundo mandato de Fernando Henrique no governo Lula, o ministro tinha muitíssimo mais amigos do que no PT - e muitos mais do que nas cercanias do gabinete presidencial. Em novembro passado, quando parecia que ficara por um fio depois de um ataque da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, também em entrevista ao Estado, foi a oposição quem bancou a sua permanência.

"Já fizemos muita coisa por ele", comentou ao jornal Valor o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio. "Agora, o que vier veio." Agora que veio, é como se tivesse se desfeito a última barreira entre os escândalos e o presidente Lula. Para evitar que o mensalão o contaminasse, ele removeu do governo o companheiro que fez mais do que qualquer outro para elegê-lo, o "capitão do time" José Dirceu, afinal cassado por seus pares da Câmara dos Deputados. Como administrará doravante a evidência gritante de que o seu ministro-avalista - não importa por que - mentiu à CPI? E pensar que ele estava cotado para chefiar a campanha da reeleição.