Título: "TV digital tem que ter tecnologia brasileira"
Autor: Sonia Racy
Fonte: O Estado de São Paulo, 13/03/2005, Economia & Negócios, p. B10

Empresário não vê razão para o governo decidir a questão com pressa e ressalta trabalho feito pelos técnicos do País

Eugênio Staub, presidente da GradienteENTREVISTAEm meio a uma acalorada discussão sobre qual sistema de TV digital será adotado pelo Brasil, o empresário Eugênio Staub, da Gradiente, coloca na mesa algumas questões importantes. Primeiro, por que a pressa? Ante a rápida evolução tecnológica, tudo indica que seria mais sensato aguardar mais um pouco.

"A pressa é inimiga da perfeição", observou em entrevista ao Estado, na sexta-feira, lembrando que tampouco "se pode estender esta questão para sempre." Indagado, Staub diz não ter notícia de que o governo Lula já teria optado pelo sistema japonês. Mas avalia que, dos três, ele é o melhor. E avança: "Acredito que qualquer dos três sistemas, adaptados à tecnologia desenvolvida por acadêmicos brasileiros, poderá atender os atuais e futuros clientes nacionais."

É essa a tese que Staub defende: mais tempo para negociar com os fornecedores, e qualquer que for a escolha, atualizá-la por meio de soluções desenvolvidas no Brasil para o mercado brasileiro.

Na América Latina, a problemática da TV digital começou com a precipitação do governo Menem ao se decidir pelo padrão americano, que até hoje não foi implementado na Argentina.

No Brasil, houve discussões no governo FHC que se afunilaram na viabilidade dos três sistemas - americano, europeu e japonês. O presidente FHC preferiu deixar a decisão para seu sucessor. No governo Lula, foi o ex-ministro das Comunicações, Miro Teixeira, a envolver a comunidade acadêmica e na definição do tema. "Estou advogando que se continue nessa linha dinamizada pelo ministro Hélio Costa, até o fim. Mas sem excessivo açodamento".

Sobre política, Staub, um dos primeiro empresários de peso a aderir à candidatura Lula, não fala. "Só na outra encarnação", diz.

Porque tanta pressa em definir o modelo de TV digital no País? Não seria mais fácil assistir primeiro à convergência tecnológica, facilitando assim o processo?

Neste caso, a pressa é inimiga da perfeição. A evolução da tecnologia é um processo constante, nunca pára. Por outro lado, não podemos esperar para sempre e não tomar decisão nenhuma. A decisão não deveria ser tomada agora, mas também não podemos deixar para o ano que vem.

Quais seriam os principais condicionantes nessa tomada de decisão?

Definida uma classificação inicial dos três sistemas, o Brasil deveria escolher aquele que melhor atenda a um conjunto de objetivos do governo brasileiro que busca o interesse do País . Devemos observar também que o sistema de TV Digital não é tão abrangente como se propaga. A decisão está restrita a um sistema de transmissão terrestre, sendo que existem os sistemas digital de cabo e de satélite.

Mas qual o melhor sistema?

Tecnicamente, o melhor é o japonês. Mas o Brasil, por meio do mundo acadêmico, financiou o desenvolvimento de tecnologia cuja contribuição é importante e viável na atualização de qualquer um dos três sistemas. Trata-se de uma necessária atualização tecnológica, visto que o sistema americano tem 15 anos, o europeu mais de 10 anos e o japonês, apesar de ser mais recente, tem 4 anos. Todos eles, se tivessem de começar hoje de novo, fariam melhor. É o que devemos fazer. Grande parte do trabalho já foi feito pelos técnicos brasileiros , financiados pelo governo. É só ter mais um pouco de paciência.

Quais as questões a serem consideradas na tomada de uma decisão?

Certamente a política industrial, a política tecnológica, a política de telecomunicações e de radiodifusão, o papel importantíssimo dos provedores de conteúdo (emissoras), a questão das relações exteriores e de comércio exterior, principalmente com os nossos vizinhos da América Latina, o melhor uso do espectro eletromagnético, que é finito, e o desejo do consumidor. No que diz respeito às políticas de telecomunicação e radiodifusão, é preciso definir o papel da emissoras e qual o papel das operadoras de telecomunicação. Essas últimas podem contribuir para a inclusão digital, através dos canais de retorno.

E do ponto de vista do cidadão?

Nas questões sociais, temos de considerar o interesse e a importância da TV de alta definição e a importância de acessar, em aparelhos móveis (celulares), a televisão. Imagine como será diferente a vida de um cidadão que passa de três a quatro horas por dia dentro de uma condução, se ele pudesse assistir os seus programas favoritos de televisão? Isso será uma mudança relevante no comportamento e na informação. Imagine a situação de um cidadão que possa reagir, através do celular, a um programa que exija sua opinião, seu voto, ou mesmo sua decisão de compra. Uma integração perfeita entre emissoras e operadoras de telecomunicações, respeitadas as especificidades do campo de cada uma, e preservadas as respectivas bases de receita. Os europeus não contemplaram, no início de seu sistema, a TV de alta definição, e cometeram um grave erro. Agora estão correndo atrás desse prejuízo.

E a negociação com os fornecedores?

Ela é fundamental. O poder de barganha do Brasil é imenso e precisa ser usado com competência para conseguirmos os nossos objetivos, nos campos econômico, industrial, tecnológico, de mercados externos e de participação nas empresas e centros de tecnologias nacionais. É importante dizer que nos últimos 60 dias o governo, por meio de um processo coletivo, tomou as rédeas do processo e age com competência. As pressões para que a decisão seja imediata são enormes e deve se resistir a elas.

A decisão do governo sobre o sistema digital será política?

Terá de ser política também. Essa decisão não se baseia apenas em tecnologia. Tem dimensões técnicas, de política industrial, de comércio exterior. Tem dimensões físicas, já que está se discutindo como se reparte o espectro eletromagnético e como melhor usá-lo. Tem dimensões também de política de comunicações, de cooperação com países vizinhos. Existem até questões sociais, já que o processo poderá aumentar a inclusão digital. É nesse sentido que é política, não de política partidária.

Fala-se, no entanto, que o sistema europeu é o mais adequado e menos custoso para o consumidor. E, ao que tudo indica, já dada a escolha do modelo japonês, permite controle do conteúdo para as televisões. Isso não é uma decisão política em tempos de campanha eleitoral?

Do ponto de vista tecnológico, os três sistemas atendem ao País. O melhor nesse parâmetro é o japonês. Decisão inteligente é aquela que, após o processo de negociações, melhor atenda os objetivos do Brasil , que devem ser predefinidos. Isso nada tem a ver com eleição.

O ministro das Comunicações, Hélio Costa, está sendo acusado de ser mais lobista que ministro. O senhor concorda?

A decisão do sistema é do governo coletivamente, como convém. É legitimo que um ministro tenha suas convicções e que as externe. Hélio Costa teve o mérito de colocar o assunto na mesa e fazer a agenda avançar.

O sr. se arrepende de ter apoiado a candidatura Lula com tudo isso que está acontecendo? O sr. se decepcionou?

De política , a não ser a industrial e tecnológica, só falo na próxima encarnação.