Título: Tabaré cede e é tachado de traidor
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/03/2006, Economia & Negócios, p. B4

Kirchner conseguiu do colega uruguaio a suspensão das obras das fábricas de celulose, mas Tabaré nega

Em apenas três dias, o presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, passou de consenso no país a "traidor". A virada drástica ocorreu depois que Tabaré se reuniu com seu colega argentino, o presidente Néstor Kirchner, em Santiago do Chile, no fim de semana. Na reunião, que pretendia discutir a crise diplomática entre os dois países surgida por causa da instalação de duas fábricas de celulose nas margens uruguaias do Rio Uruguai, na fronteira entre a Argentina e o Uruguai, o presidente uruguaio concordou em ordenar a suspensão, por 90 dias, da construção das duas fábricas. Os piquetes já causaram a perda de US$ 200 milhões mensais à economia uruguaia.

Esta vitória de Kirchner - sem que Tabaré conseguisse sequer a suspensão dos piquetes realizados pelos argentinos há mais de um mês, impedindo o tráfego em duas das três pontes que ligam os países - provocou o ex-presidente Jorge Battle, líder do Partido Colorado, de oposição, que chamou o atual presidente de "traidor".

NOVA VERSÃO

Ontem à tarde, em La Paz, em visita ao presidente Evo Morales, Tabaré deu nova versão dos fatos. O acordo com Kirchner, explicou, não era bem um acordo. Tabaré negou haver determinado a suspensão das obras, já que isso dependeria das empresas. Garantiu que, enquanto os piquetes permanecerem, as construções não serão paralisadas. Mas, em Montevidéu, as explicações não convenceram.

Para o Uruguai, a instalação das fábricas (uma da espanhola Ence, a outra da finlandesa Botnia) é crucial para a economia abalada por cinco anos de crise (1999-2003). No total, o investimento será de US$ 1,8 bilhão, o equivalente a 13% do PIB uruguaio, e garantirá 10 mil empregos diretos e indiretos na região sudoeste do país.

MANOBRA

Em Montevidéu, o recuo de Tabaré foi visto como mais uma vitória da estratégia de Kirchner de bater o pé até conseguir o que quer. Agindo assim, ele já conseguiu dobrar várias vezes o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

A mesma manobra foi usada com sucesso com o Fundo Monetário Internacional (FMI), com os credores privados, com as empresas privatizadas, com os empresários argentinos e os governos chileno e russo, entre outros.

Um diplomata da União Européia em Buenos Aires observou recentemente sobre as vitórias de Kirchner: "Ninguém consegue deter esse homem. Não sei se é persistência dele, sorte ou fraqueza dos outros, mas... ele dobra todo mundo."