Título: Meirelles fica no comando do BC, mas só vai responder a Lula
Autor: Beatriz Abreu e Ribamar Oliveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 29/03/2006, Economia & Negócios, p. B1

O governo desencadeou ontem uma operação "Segura Meirelles", depois que o presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, manifestou descontentamento com declarações do ministro da Fazenda, Guido Mantega. O ministro disse que a permanência de Meirelles no governo era uma decisão a ser tomada pelo presidente Lula.

Ele reafirmou também a análise de que o BC "errou a mão" nos juros em 2005 e de que o Brasil precisa de "juros civilizados". Uma fonte governamental confirmou que "realmente houve um stress". Depois que os "bombeiros" entraram em ação para debelar o princípio de crise, ficou acertado que, daqui para a frente, Meirelles se reportará diretamente ao presidente Lula, da mesma forma que os ministros de Estado.

O presidente do BC tinha uma ligação direta com o ex-ministro da Fazenda, Antonio Palocci. Era com ele que tratava os assuntos da área econômica e da política monetária. Pode-se dizer que, pela primeira vez, a medida provisória que deu status de ministro ao presidente do Banco Central está sendo utilizada não para proteger seu dirigente de problemas judiciais, mas para fixar a linha divisória na atuação do BC e do Ministério da Fazenda.

Ontem, depois de conversar com o presidente Lula, Meirelles repetiu várias vezes que não se coloca a questão sobre se ele ficará ou não na presidência do BC. "Estive com o presidente da República, que reafirmou mais uma vez a autonomia do Banco Central. O importante é que a inflação convirja para a meta, de acordo com as determinações do Conselho Monetário Nacional (CMN)".

Meirelles disse que deu os parabéns ao novo ministro da Fazenda, Guido Mantega, e manifestou a satisfação de ter a oportunidade de voltarem a ser colegas e trabalharem juntos. "A experiência que tivemos foi produtiva", disse, referindo-se ao período em que Mantega foi ministro do Planejamento.

Um dos principais "bombeiros" foi o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP). A ação de Mercadante foi ajudada pelo fato de ter sido ele quem convidou pessoalmente Meirelles, ainda em dezembro de 2002, para fazer parte do governo Lula . "A chance de Meirelles sair do governo é zero", garantiu Mercadante ao Estado. "Tem gente mal-informada e mal-intencionada que está divulgando versões fantasiosas para especular no mercado", acrescentou. "O presidente garantiu que Meirelles fica no governo."

O retorno de Mantega ao primeiro escalão, no entanto, pode acirrar os atritos entre a diretoria do Banco Central e a Secretaria de Tesouro, apesar do pedido de demissão de Joaquim Levy. As divergências são consideradas "parte do processo", como as que existem entre o Ministério da Fazenda e os ministros que querem aumentar os gastos. "O frisson entre Tesouro e BC e outros ministérios será o mesmo. Faz parte", admitiu uma fonte.

Essas divergências vão ser monitoradas, se acontecerem. Meirelles somente ontem conversou com a diretoria do BC sobre as modificações na equipe do Ministério da Fazenda. A possibilidade de modificações na diretoria do BC não é confirmada nem desmentida. É fato que alguns diretores se sentem cansados e pouco à vontade para enfrentar novos movimentos de pressão por uma queda nos juros em velocidade maior do que a desejada pelo colegiado para garantir a inflação na meta de 4,5% definida para este ano. "Aí, será a vontade de cada um.Mas, por enquanto, está tudo tranqüilo", contou um assessor.

O encontro de Meirelles com o presidente Lula, ontem, está sendo utilizado por fontes do BC para exemplificar a mudança no relacionamento. A partir de agora, Mantega e Meirelles passam a ser "colegas do CMN". Um relacionamento bem diferente do que mantinha com o ex-ministro Palocci. Na gestão Palocci, até pelo passado de vinculação do BC ao Ministério da Fazenda, Meirelles, apesar do status de ministro, convivia com a subordinação secular. Agora, não.

Com Mantega, não se trata de desfrutar de status de ministro. Meirelles é ministro. Com Palocci, não houve necessidade de explicitar que a medida provisória tornou Meirelles um ministro do governo, até porque o mercado já estava acostumado ao fato de Palocci se colocar como responsável pelo BC. "Mas agora essa situação não se justifica. A vinculação é com o presidente da República", comenta uma fonte.