Título: Ataque da Bolívia ao País causa apreensão
Autor: Irany Tereza
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2006, Economia & Negócios, p. B6,7

Ministro boliviano diz que vai endurecer na negociação do gás

Causaram estranheza ao governo brasileiro os ataques feitos pelo ministro de Hidrocarbonetos da Bolívia, Andrés Solíz, em entrevista às agências internacionais. Ele anunciou que seu país conduzirá de forma "dura" as negociações com o Brasil e a Argentina para a elevação dos preços do gás e acusou o governo brasileiro de tratar a Bolívia como uma "semicolônia". Os ataques vieram depois de a Petrobrás ter qualificado, nesta semana, a situação boliviana como "mais estável" e indicado a possível ampliação de seus investimentos no país.

Embora um tanto inesperada, a fala dura do ministro não chegou a alarmar os diplomatas. O Ministério das Relações Exteriores encarou o episódio como uma tentativa de La Paz de criar um "clima favorável" a seus interesses de curto prazo e nas futuras negociações contratuais com a Petrobrás.

Em sua entrevista, Solíz disse que apelaria à "compreensão" dos vizinhos e enfrentaria as pressões geopolíticas do Brasil. "Todos são maravilhosamente amigos até mexermos no bolso deles e dizermos que têm de pagar mais", afirmou. "(O Brasil) Está sempre nos vendo como uma espécie de semicolônia. Isso será levado para as nossas negociações."

De acordo com os atuais contratos, o Brasil poderia adquirir 23 milhões de metros cúbicos diários de gás da Bolívia a um preço de US$ 3,23 por milhão de Unidades Térmicas Britânicas (BTU) até o final de 2006. No caso da Argentina, a cota é de 7,2 milhões, com preço fixado em US$ 3,18. Apesar das ameaças, Solíz não mencionou qual seria o aumento desejado. Limitou-se a afirmar que os preços atuais cobrados da Argentina e do Brasil correspondem à metade do valor cotado no mercado dos Estados Unidos.

Em sua exposição, o ministro boliviano reiterou o anúncio feito nesta semana pelo presidente Evo Morales de que a nacionalização do setor de gás e de petróleo e a reorganização da Yacimientos Petrolíferos Fiscales de Bolívia (YPFB) se darão antes do dia 12 de julho deste ano.

Ambos referiram-se à publicação dos termos do decreto que regulamentará a Lei de Hidrocarbonetos, sancionado no ano passado. A partir daí, devem ser iniciados os processos de renegociação dos contratos de exploração e comercialização de gás e de petróleo com as multinacionais do setor. Entre elas, a Petrobrás é a principal investidora, com um total de US$ 1,5 bilhão injetado no país nos últimos 10 anos.

SEM PREOCUPAÇÃO

A rigor, nem o governo brasileiro nem a Petrobrás têm a mínima idéia sobre os termos que serão fixados no decreto, que está em elaboração por vários ministérios bolivianos. Mas uma fonte do governo deixou claro que o anúncio de nacionalização não provoca preocupação em Brasília e o Itamaraty assegura que não há ingerência brasileira nessas definições.

A hipótese de estatização, em princípio, é descartada pela própria ausência de recursos no país para ressarcir as empresas - ao contrário do que ocorreu na década de 50 com a exploração de estanho. Mais provável será a parceria entre a Petrobrás e a YPFB, que já foi apontada como opção desejável pela companhia brasileira.

"Eles (os bolivianos) terão de cumprir os contratos com a Petrobrás e com outras empresas internacionais que atuam na Bolívia", avaliou a fonte do governo brasileiro.