Título: Eletrobrás concentra projetos e retoma estatização do setor elétrico
Autor: Renée Pereira
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2006, Economia & Negócios, p. B4

Holding arrematou os principais projetos de geração nos leilões e comprou parte de outros da iniciativa privada

Dez anos depois do início das privatizações, o Estado volta a reforçar a sua presença no setor elétrico brasileiro, desafiando a convicção geral de que só o setor privado conseguirá evitar o colapso da infra-estrutura.

Num movimento que vem sendo considerado como a reestatização da energia, a gigante Eletrobrás, cujo controle está nas mãos do governo federal, tem esbanjado fôlego para investir na expansão do parque brasileiro, superando os limites orçamentários fixados pelo Ministério da Fazenda para cumprir as metas de superávit primário. Sob as asas da holding estão nomes de peso, como Furnas, Eletronorte, Chesf, Itaipu e Eletronuclear, responsáveis por cerca de 50% da capacidade instalada do País.

Além dos projetos arrematados no último leilão de energia, o maior grupo do setor elétrico comprou da iniciativa privada a participação em três hidrelétricas e negocia a aquisição de outras quatro usinas. Isso sem contar que a holding detém os estudos dos maiores projetos de geração do Brasil, incluídos no Plano Decenal de Energia Elétrica, apresentado pelo governo no início do ano como estratégia paraafastar o risco de um novo racionamento.

Mas, apesar de os saudosistas comemorarem, o apetite do grupo causa apreensão. Em primeiro lugar porque os novos negócios da estatal revelam claramente a falta de apetite da iniciativa privada na expansão da geração. "É um sinal nítido de que as regras dos leilões não são interessantes para o investidor privado. O governo limitou o preço das hidrelétricas e se esqueceu dos riscos, especialmente na área ambiental", afirmou o professor do Instituto de Economia da UFRJ, Adilson de Oliveira. Por outro lado, diz ele, é difícil imaginar que a Eletrobrás consiga sustentar um programa de expansão do parque gerador sozinha, sem contar com o potencial financeiro das empresas privadas.

Além disso, os investimentos da estatal na compra de usinas que estavam nas mãos da iniciativa privada vão na contramão do rígido aperto fiscal adotado pelo governo para garantir a meta de superávit primário, analisa o especialista em energia Lindolfo Paixão, presidente da Associação Nacional dos Consumidores de Energia (Anace). "Até bem pouco tempo o governo sinalizava que deveria se voltar mais para áreas sociais, como saúde e educação, e atrair empresas privadas para cuidar da infra-estrutura", afirma Paixão. "Esse foi um dos motivos para a criação das PPPs (Parcerias Público-Privadas), mas, no setor elétrico, parece que a lógica é outra."

O retorno da holding a projetos de peso começou com a aquisição de uma participação na Hidrelétrica Peixe Angical (452 MW), em 2003, por Furnas. Segundo informações da época, as obras haviam sido suspensas por dificuldades na obtenção de financiamentos. Com a entrada da estatal, a construção foi retomada e um financiamento de cerca de R$ 670 milhões foi conseguido no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

LEILÃO DE HIDRELÉTRICAS

A volta mais agressiva começou a ser desenhada no final do ano passado, com o primeiro leilão de concessão de hidrelétricas do governo Lula. Com a falta de apetite da iniciativa privada, o Grupo Eletrobrás arrematou quatro usinas (Baguari, Paulista, Simplício e Passo São João), sendo apenas uma em parceria com Cemig e Neoenergia (ver mapa).

Os grandes grupos de geração do setor, como CPFL, Tractebel e EDP, ficaram de fora da disputa por causa do preço estipulado pelo governo. "É claro que uma empresa que vai bem quer se expandir. Mas não consigo dar rentabilidade ao meu investimento em hidrelétrica com um preço de R$ 116 o MWh. Assim, o mercado me pune (referindo-se aos acionistas na bolsa de valores)", afirmou o presidente da CPFL, Wilson Ferreira Jr, durante apresentação de balanço do grupo, no início do mês. A mesma justificativa foi dada pelas demais companhias.

A participação do Grupo Eletrobrás no mercado foi reforçada ainda mais em fevereiro. A empresa, por meio de Furnas, fechou negócio com a Vale do Rio Doce e comprou 40% da participação na usina Foz do Chapecó (855 MW), entre os Estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul.

A saída da Vale do Rio Doce deve-se ao aumento dos custos de produção de energia no País, principalmente na área de transmissão, que tem inviabilizado a conclusão de novos empreendimentos, afirmou, na ocasião, o presidente da empresa, Roger Agnelli.

PARTICIPAÇÃO MINORITÁRIA

Segundo o presidente da Eletrobrás, Aloísio Vasconcelos, a expectativa é comprar também a participação de 20% da usina que hoje está nas mãos da Companhia Estadual de Energia Elétrica (CEEE). Ele ressalta, no entanto, que o negócio deve envolver a CPFL, outra sócia da empresa. "Nossa política é ter uma participação minoritária nesses projetos. Por isso, a CPFL teria de comprar uma parte."

Furnas também tem acordo para a compra de parte da Hidrelétrica Retiro Baixo, adquirida pelo Grupo Orteng, no último leilão. Além da usina, Vasconcelos afirmou que a empresa iniciou conversas para a compra de Serra do Facão, em que participam as empresas Alcoa, Votorantim e Camargo Corrêa. Também estão na mira da holding usinas como Guaporé, do Grupo Rede, e Salto Pilão.

Segundo Vasconcelos, a Eletrobrás vai investir R$ 5,2 bilhões no setor neste ano, valor superior aos investimentos do ano passado, em torno de R$ 3,2 bilhões, e bem maior que os apresentados no governo passado. Para os novos projetos, como as usinas arrematadas em leilão, a holding conta com recursos do BNDES. Ele já assegurou a disputa pelas Hidrelétricas Dardanelos (261 MW) e Mauá (382 MW), que podem ser incluídas no leilão a ser realizado em junho.

O fortalecimento da estatal é criticado pelo diretor da Câmara Brasileira de Infra-Estrutura (CBIE), Adriano Pires. Segundo ele, esse modelo não atrai capital privado para o País. "O governo elegeu a Eletrobrás como o motor de expansão da geração. No leilão de hidrelétricas, por exemplo, ninguém entrou por causa do preço.", afirmou.

De acordo com Pires, a estatal arrematou os projetos com baixo retorno, ignorando o fato de ter acionistas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). O especialista é categórico ao afirmar que o País terá novos racionamentos de eletricidade depois de 2008 por que não consegue atrair capital privado.