Título: Corrupçao preocupa brasileiros
Autor: Paulo Moreira Leite
Fonte: O Estado de São Paulo, 26/03/2006, Nacional, p. A13

Pesquisa do Instituto Ipsos revela que no Brasil há mais otimistas; na Argentina, aumento da pobreza preocupa

Um levantamento de opinião pública ajuda a lembrar que brasileiros e argentinos habitam universos mentais paralelos e têm uma atitude diversa diante do futuro. Realizada pelo Instituto Ipsos, com base em 2.200 entrevistas nos dois países, a pesquisa Dados de opinião pública da Argentina e do Brasil tem números que ajudam a contar a história dos dois povos, revelando ambições e decepções no interior de cada fronteira. Na última década o Brasil teve um crescimento mais equilibrado do que a Argentina, com uma queda respeitável no número de pessoas que sobrevivem abaixo da linha de pobreza. No país vizinho, a mancha de pobreza dobrou.

O levantamento registra esses dois mundos e mostra o brasileiro, em geral, como um cidadão mais otimista, embora preocupado com a corrupção. Já os argentinos, mais cautelosos ao examinar o futuro, se incomodam com o crescimento da pobreza.

A pesquisa revela que tanto para brasileiros (62%) como para argentinos (66%) o principal problema é a falta de empregos - sinal de que, embora nos últimos anos a oferta de postos de trabalho esteja em alta aqui e lá, o fantasma do desemprego segue feio o suficiente para encabeçar a lista dos temores coletivos e individuais. Há duas perguntas cruciais: "Como o senhor acredita que estará seu país dentro de um ano?" A outra pergunta é uma continuação da primeira: "Como estará sua situação pessoal neste período?"

Um grande número de brasileiros e argentinos acha que a vida vai melhorar, mas os nossos otimistas são mais otimistas do que os deles. Para 53% dos brasileiros, o País vai estar melhor em 2007 - e um espetacular total de 68%, ou mais de dois terços da população, acha que sua vida individual vai avançar. Menos da metade dos argentinos - 47% - acredita no progresso do país no ano que vem e um número muito semelhante, 46%, acredita que sua vida estará mais confortável. Descobre-se nesse levantamento uma diferença curiosa. O número de brasileiros que acreditam no progresso individual é quase 30% superior ao daqueles que acreditam na melhoria do País - como se não houvesse tanta ligação entre os dois destinos. Na Argentina, um idêntico número de pessoas acredita no progresso individual e no avanço do país.

Como sabem os estudiosos dos humores e sonhos das populações, sempre que fala de seu futuro a maioria das pessoas está falando sobre o passado também. Julga o próprio esforço para subir na vida, mas também avalia a atuação dos sucessivos governos que contribuíram para deixar o país em determinada situação. Suas opiniões estão dentro de um contexto, e têm um lugar definido.

Para Clifford Young, diretor-executivo da Ipsos no Brasil, a pesquisa mostra que os dois povos enfrentam situações opostas. "O brasileiro vive uma situação de relativa estabilidade econômica, que lhe permite planejar o próprio futuro numa situação que lhe parece segura. O argentino não consegue fazer projetos de longo prazo nem se programar. Sua referência segue sendo o passado, que deixou traumas muito fortes."

Embora o crescimento econômico da Argentina nos últimos três anos tenha atingido níveis que o Brasil só conheceu nos tempos do milagre econômico de Delfim Netto, as dores de um passado recente ainda produzem sofrimento. Na Argentina, o número de cidadãos que são definidos estatisticamente como "miseráveis" passou de 8,2% da população em 1990 para 16,9% em 2004. No mesmo período, a mancha de miseráveis brasileiros encolheu de 23,4% da população para 14,2%.

"Considerando o tamanho do desastre, o pessimismo relativo dos argentinos é até surpreendente", avalia o historiador Boris Fausto, co-autor de um livro sobre os dois países. O saldo social ajudou a criar no Brasil um consenso político em torno da estabilidade econômica, numa "postura mais pragmática", diz Young.

PASSADO Na Argentina, o desastre social produziu incertezas e mantém sombras do passado - o mesmo país que hoje cresce a 8% ao ano já enfrentou uma recessão de quatro anos seguidos, quando o PIB chegou a cair 10%, depois de encolher 4% no ano anterior. Uma das questões colocadas pelo Ipsos revela a persistência do antiamericanismo na Argentina. Para 21% dos entrevistados, as multinacionais prejudicam seu país. É um número pequeno, mas só 13% de brasileiros têm essa opinião.

A visão dos argentinos sobre si próprios alimenta sua cultura contemporânea, onde o cinema chama a atenção pela quantidade de filmes inspirados no passado, retratado de forma idílica. Essa situação não deve iludir brasileiros que adoram comparar-se com o vizinho. Mesmo mais pobres, os argentinos usufruem de uma situação de conforto, educação e saúde bem superior. "Eles estão preocupados com a pobreza e a segurança porque isso é novidade para eles", diz Fausto. "Mas a nossa pobreza e nossa falta de segurança são mais dramáticas."