Título: Mais um teste para a Rodada Doha
Autor: Denise Chrispim Marin
Fonte: O Estado de São Paulo, 31/03/2006, Economia & Negócios, p. B14

As discussões sobre liberalização comercial na Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio (OMC) passam hoje e amanhã por mais um teste. Em encontro no Rio de Janeiro, os negociadores do Brasil, dos Estados Unidos e da União Européia (UE) - as principais frentes de negociação envolvidas - tratarão dos três maiores entraves para a conclusão da Rodada até o final do ano.

Desta vez, a expectativa é que as concessões nas áreas agrícola e industrial se expandam um pouco mais para que as propostas definitivas, a serem apresentadas no dia 30 de abril à OMC, em Genebra, sejam suficientes para dar a largada à etapa conclusiva da negociação.

Observado pelo diretor-geral da OMC, o francês Pascal Lamy, o encontro de hoje envolverá o comissário de Comércio da União Européia, o britânico Peter Mandelson, o representante dos Estados Unidos para o Comércio, Rob Portman, e o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, que falará em nome do G-20, o grupo de economias em desenvolvimento que exige ampla liberalização do comércio agrícola.

Por enquanto, nenhuma das partes apresentou propostas que tenham agradado inteiramente às outras. Ainda paira no ar o risco de os Estados Unidos e a União Européia fecharem um acordo sobre o polêmico capítulo agrícola e, com base no que já foi acertado com os demais parceiros, concluírem a negociação.

Em dezembro, durante a conferência da OMC em Hong Kong, houve acerto sobre o fim dos subsídios à exportação agrícola em 2013. Mas ainda não está certa a sua redução substancial até 2010, como pretende o G-20. Como explicou Marcos Jank, presidente do Instituto de Estudos do Comércio e das Negociações Internacionais (Icone), os Estados Unidos ainda se mantêm reticentes a diminuir os subsídios da chamada caixa azul - considerados distorcivos - e a uma regra que proíba a transferência das subvenções de produto a produto.

A UE resiste a um corte tarifário maior que os 39% que propôs no ano passado, e acena com contrapartidas, como o aumento das cotas de importação para produtos de interesse do Brasil e do G-20, que são consideradas paliativas. Ou seja, não significariam real abertura de mercado agrícola.

Segundo Jank, nem os Estados Unidos nem a União Européia detalharam ainda as propostas para tratamento dos produtos sensíveis - aqueles que seriam protegidos por cortes menores em suas tarifas e atingirão, certamente, os itens de interesse do Brasil e do G-20.

O Brasil e seus aliados mantêm a oferta de cortar 50% das tarifas máximas sobre as importações de produtos industriais, mas sob a condição de que a UE e os EUA melhorem suas ofertas agrícolas. Ambos exigem uma queda de cerca de 75%. "Nessas reuniões, os países verificam os seus limites. O que se espera é que, até dia 30, as propostas postas sobre a mesa sejam suficientes para que Lamy possa consolidá-las em um esboço de acordo final palatável para todo mundo", afirmou Jank.

Embora pouco animado em relação a um possível acerto no encontro de Copacabana, o chanceler Celso Amorim acredita que, desde a conferência ministerial da OMC de Cancún (México), em setembro de 2003, houve avanços.

Emblemática, aquela conferência terminou em fracasso por causa da resistência de um grupo de países em relação aos chamados temas de Cingapura e foi marcada pela criação do G-20. "Hoje, o pior acordo seria melhor que o melhor acerto em Cancún", afirmou Amorim. "Mas não vamos fechar um acordo errado por conta do prazo estreito."

O jogo amarrado reforça a tese de Amorim de que uma reunião de chefes de Estado seria necessária para desatar os nós da negociação. Desde o fim de novembro, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem se envolvido na articulação desse encontro.