Título: Roberto, Ideal e Aristeu: histórias
Autor: Daniel Piza
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2006, Nacional, p. A12,13

O primeiro se tornou carvoeiro, o segundo está desempregado e o terceiro é uma exceção entre os vaqueiros

Antonio Roberto de Paula, 53 anos, é carvoeiro há 12. No momento, trabalha numa carvoaria próxima a Morro da Garça, região onde se passa a história de Rosa O Recado do Morro. O pai, João, era vaqueiro em Montes Claros, e Roberto chegou a acompanhá-lo em boiadas quando adolescente. Nos anos 70, foi para São Paulo tentar outra vida. Trabalhou em indústrias por dez anos, depois decidiu voltar para Minas. O irmão estava trabalhando com carvão; Roberto foi pelo mesmo caminho. Ao lado da carvoaria, ele mostra o lago secando por causa da floresta de eucalipto que nos cerca. "Aqui tinha capivara, jacaré, sabia? Hoje não tem mais nada."

Sorridente, de barba e chapéu, coberto de fuligem e suando, ele começa a se animar quando o tema são os vaqueiros. "Vaqueiro hoje só anda de moto", diz. "Antigamente era uma diversão. O gado não ficava parado. A gente levava 200, 300 bois numa viagem de 20 dias", conta. "Eram sempre uns 12 vaqueiros. Quando a gente passava pelas fazendas, as moças ficavam olhando. Tinha mérito em ser vaqueiro." E as canções, você se lembra de alguma que cantavam? No primeiro momento Roberto diz que não. Mais um bocadinho de prosa, e a pergunta é feita de novo. "Ah, eu me lembro mais ou menos. Tinha uma que era assim:

Menina tá na janela

Tomando café com queijo.

Toma um lenço, limpa a boca

Que eu quero te dar um beijo."

Roberto dá uma risada. "Carvoeiro não canta não, né Roberto?" "Não, carvoeiro não canta." E se diverte vendo suas fotos na câmera digital.

Ideal Mendes, dono de um sítio ao lado da fazenda Meleiro, perto de Andrequicé, também tem 53 anos. Mas, ao contrário de Roberto, está desempregado. Vaqueiro desde criança, que embarcava dezenas de bois no trem de Curvelo, não encontra mais quem queira seus serviços. Não sabe fazer outra coisa. "Sou analfabeto, né", comenta. "Naquela epa (época) cuidar de boi era diferente. Os bois eram gordos, fortes, tinham chifre. Vaqueiro tinha de ser bom." Ideal se mostra nostálgico; diz que os vaqueiros cantavam o tempo todo, tinham merenda e cachaça, jogavam truco à noite. "Oooooooo, boi!!!!", lembra os aboios. "De uns dez anos pra cá ninguém mais tange boi. Vai tudo de caminhão."

O celular toca. Não é oferta de trabalho, é pedido de favor. "Fiquei de arranjar umas cordas para ele." Ideal conta que ele e o irmão vivem da aposentadoria rural da mãe, além de alguns bicos. E que "o pessoal do eucalipto" está sempre ali querendo comprar sua terra "por um bom preço". E por que não vende? "Eucalipto é droga. Se pelo menos fosse pra ieu trabalhar com eles, tudo bem. Se eu vender, vou fazer o quê?"

Nesse cenário, Aristeu Guimarães é exceção entre os vaqueiros. Trabalha numa fazenda de dono paulista na qual existe uma vereda bem conservada, a Vereda da Silga (que Rosa grafa como Sirga), com 4 km de extensão, água corrente fresca, buritis altos e viçosos, não muito distante do Rio São Francisco. De cima do cavalo, conta que ali há muitos tatus e veados. No caminho, vemos também araras azuis, seriemas, maritacas, corujas e gaviões. Neste trecho do cerrado mineiro, é possível entender por que Rosa ficou tão fascinado.