Título: Os banqueiros votarão em Lula?
Autor: Mailson da Nóbrega
Fonte: O Estado de São Paulo, 12/03/2006, Economia & Negócios, p. B5

Tenho ouvido pessoas inteligentes afirmarem que os banqueiros votarão em Lula nas próximas eleições presidenciais. Nunca ganharam tanto dinheiro com os juros altos do governo petista e gostariam de manter o "paraíso". Os outros candidatos prometem reduzir os juros e por isso serão rejeitados pelo sistema financeiro. O raciocínio é equivocado. Se os banqueiros votassem com olho em promessas, escolheriam a oposição.

Ao contrário do imaginário, o lucro dos bancos não vem dos juros altos, pois não vivem de emprestar os seus próprios recursos. Emprestam essencialmente o dinheiro dos outros, pois funcionam como intermediários entre os que poupam e os que tomam crédito. É como o supermercado que compra dos atacadistas e vende aos consumidores, ganhando a diferença, a margem, que nos bancos é conhecida como spread.

Por que explicação tão simples não encontra respaldo no público nem conquista mentes esclarecidas? Uma justificativa seria a dificuldade de enxergar que o lucro dos bancos por quanto representa do patrimônio líquido, ou seja, a rentabilidade. Por esse prisma, que é o relevante para avaliar o seu desempenho, os bancos ganham relativamente menos do que empresas de setores como os de siderurgia, mineração, aviação e tecnologia, entre outros.

Outra dificuldade é não perceber que a receita dos bancos não provém exclusivamente da intermediação. Eles são também remunerados por serviços como os de assessorar empresas na abertura de capital, lançar papéis no mercado e montar engenharia financeira em projetos de investimento. Também ganham pela gestão de recursos de clientes, aplicados em fundos de investimento. A receita de serviços não vem apenas das tarifas. Os juros altos beneficiam mais os cotistas dos fundos do que os bancos.

Um velho preconceito pode explicar a estupefação de parte da opinião pública com o lucro dos bancos. Não é de hoje que as instituições financeiras atraem a revolta e o desprezo da opinião pública. Nas obras de Shakespeare e Émile Zola, os banqueiros ocupavam um espaço muito inferior ao das prostitutas. Talvez por isso, o tema ganha destaque na imprensa.

Na verdade, quando operam sob ambiente competitivo, como é o caso do Brasil, os bancos tendem a ganhar mais dinheiro com juros baixos. Taxas menores de juros elevam a demanda por crédito e diminuem o risco de inadimplência e, portanto, de perdas. Como os bancos ganham com o spread, quanto maior o volume de empréstimos de menor risco, maiores serão suas possibilidades de lucrar. A economia pode crescer mais, o que amplia o mercado para a prestação dos serviços acima mencionados.

Se nós estamos construindo um sistema capitalista no Brasil (ainda que alguns esquerdistas atrasados torçam o nariz para isso), deveríamos receber com naturalidade o lucro dos bancos, pois ele reflete fatores como competência de gestão, qualificação da mão-de-obra e investimentos em tecnologia. Indica uma higidez essencial para financiar o desenvolvimento, principalmente depois que pudermos eliminar os obstáculos estruturais ao investimento.

O longo período de estatização do crédito, quando havia juros camaradas para a minoria (à custa da maioria), criou percepções erradas sobre os juros e o funcionamento dos bancos no Brasil. O sistema financeiro privado começou a adquirir músculos apenas a partir do fim dos anos 1960. Ao contrário do que muitos pensam, é dele que virá a maior força para financiar o desenvolvimento.

O moderno sistema financeiro começou a nascer na esteira das mudanças institucionais ocorridas na Europa a partir de século 17, particularmente a Revolução Gloriosa inglesa (1688). Os governos se tornaram previsíveis e os reis perderam o poder de arbítrio, como confiscar bens e decretar, sem riscos, moratórias unilaterais da sua dívida.

As inovações financeiras derivadas desse avanço foram fundamentais para o advento da Revolução Industrial. Como disse Ross Levine, "a Revolução Industrial teve de esperar pela revolução financeira". Essa é uma lição que deveríamos aprender, inclusive para remover as barreiras que impedem uma grande queda dos juros, como o elevado endividamento público, a tributação sem paralelo sobre as transações financeiras e o preconceito anticredor que impregna parte do Judiciário.