Título: Os avanços da Justiça
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/03/2006, Notas e Informações, p. A3

D epois de crescer em ritmo de progressão geométrica durante a última década do século 20, levando ao congestionamento de todas as instâncias e braços especializados do Poder Judiciário, o número de novas ações judiciais finalmente começou a cair na primeira década do século 21. Segundo a pesquisa "A Justiça em números", que foi divulgada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no ano passado, em 2004 os tribunais protocolaram cerca de 18,6 milhões de novos processos, contra 20,5 milhões em 2003.

Duas são as explicações apontadas pelos especialistas para essa redução de 9,2% no número de litígios. A primeira delas diz respeito à Constituição em vigor. Era inevitável que, após ser sancionada em 88, consolidando a redemocratização do País, ela deflagrasse inúmeras dúvidas quanto ao seus conceitos, diretrizes e inovações, levando cidadãos e empresas a bater nos portas dos tribunais. Com o tempo, porém, as dúvidas foram sendo esclarecidas pela Justiça, o que levou à formação de uma jurisprudência constitucional e, por tabela, à diminuição do número de novas ações nessa matéria.

A segunda justificativa enfatiza o esgotamento das grandes disputas judiciais motivadas por uma série de pacotes econômicos, que foi inaugurada pelo Plano Cruzado, em 1986, e se encerrou com o Plano Real, em 1994. Ao todo, no decorrer desses oito anos, foram sete pacotes, três trocas de moeda e muita violência legal, sob a forma de revogação de direitos adquiridos, interferências arbitrárias em contratos privados e outros atos jurídicos perfeitos, congelamento de ativos financeiros e imposição de "tablitas" e "expurgos" arbitrários nos índices de correção monetária.

À exceção do real, os planos antiinflacionários resultaram num estrondoso fracasso e a violência por eles cometida deflagrou uma enxurrada de processos judiciais, contestando as ilegalidades praticadas pelas autoridades econômicas da época e exigindo ressarcimento dos prejuízos causados pelos "expurgos" nos índices de correção monetária. O número de novas ações dobrou no período, levando ao advento dos "esqueletos financeiros", ou seja, de ações contra a União cujos valores se multiplicaram em razão da incidência dos juros e da correção monetária ao longo do tempo. Somados, eles resultaram em montantes bilionários, o que até hoje dificulta o esforço das autoridades econômicas para assegurar o equilíbrio fiscal.

Como há 12 anos o País não é submetido a um pacote, era natural que, vencido o prazo de prescrição para a abertura de processos contra os pacotes econômicos baixados entre 1986 e 1994, o número de ações começasse a cair. Como mostrou o jornal Valor, as duas últimas grandes disputas judiciais decorrentes da época dos pacotes envolvem o Plano Real. A primeira disputa gira em torno do expurgo imposto pelo Índice de Reajuste de Salário Mínimo (IRSM). A segunda diz respeito aos dois índices gerais de preços (IGP) existentes em julho e agosto de 1994: o IGP-M, baseado na variação de preços entre cruzeiros e reais, e o IGP-2, que mediu a variação dos preços em URVs.

Só o problema do IRSM, índice aplicado na correção de benefícios previdenciários, levou a 1 milhão de processos nos Juizados Especiais Federais, entre 2003 e 2004, tendo os juízes decidido em favor dos aposentados e pensionistas. No caso do IGP-M e IGP-2, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o ressarcimento do expurgo em ações impetradas contra o poder público e rejeitou os pedidos de correção monetária, restando definir o tratamento a ser dado no caso das ações que envolvem contratos privados. E, como essa decisão deve ser tomada ainda este ano, as disputas decorrentes dos pacotes econômicos podem ser encerradas em 2006, contribuindo, com isso, para desafogar as diferentes instâncias do Judiciário.

Durante décadas, os tribunais reivindicaram mais verbas para poder dar conta do aumento de sua carga de trabalho. Agora, com a tendência de redução progressiva do número de novos processos detectada pelos levantamentos estatísticos do CNJ, a instituição poderá redimensionar seus gastos e rever seu orçamento, sem precisar de recursos extras para passar a prestar, a quem a sustenta por meio de impostos, um serviço essencial com um mínimo de qualidade.