Título: Trombada à vista
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 18/03/2006, Economia & Negócios, p. B2

É assustadora a velocidade com que vai aumentando o rombo da Previdência Social. Como o salário mínimo deste ano foi reajustado em 16,7% (para R$ 350) e este é também o piso mínimo para o benefício dos aposentados, vai ser quase inevitável que o déficit deste ano atinja os R$ 48,5 bilhões.

Déficit (ou, como o povo prefere dizer, rombo) é a diferença, a menor, entre receitas e despesas. Há quem se revolte quando ouve falar em déficit da Previdência Social, por duas razões. Primeira, porque na sua criação (anos 40) previa-se que o setor público pagaria ao menos um terço da contribuição e não faria sentido contabilizar como déficit o que fosse obrigação. Segunda, mais de 25% das despesas da Previdência atendem a beneficiários que nunca contribuíram e, assim, deveriam ser considerados gastos com assistência social e não com previdência.

Infelizmente, essas razões não passam de questões de semântica contábil, digamos assim. O fato é que as receitas da Previdência andam de carroça e as despesas, de caminhão. Se nada for feito, a trombada é inevitável. O gráfico desta página mostra como o déficit evolui desde 2001. Medidas em tamanho do PIB, a arrecadação está estacionada em torno dos 5,2% e a despesa, que era de 5,2% em 1998 deverá atingir este ano os 7,9%, conforme projeções do especialista Fábio Giambiagi, economista do Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (Ipea).

Há três dias, causou espanto a revelação do Banco Central de que apenas a dívida do governo federal em títulos públicos ultrapassou em fevereiro a marca de R$ 1 trilhão. E, no entanto, este não é o mais importante passivo público. Bem maior é o passivo previdenciário, que não figura em contabilidade nenhuma. Se o déficit do Sistema Geral da Previdência previsto para este ano, de R$ 48,5 bilhões, se mantivesse estagnado nesse valor (é claro que vai continuar crescendo), em pouco mais de 20 anos o governo federal terá de arranjar outro R$ 1 trilhão apenas para cobrir essa diferença.

As contas da Previdência são um desafio à matemática; não fecham nunca. Começa pelo fato de que a maioria dos segurados da Previdência passa cerca de 30 anos de sua vida profissional contribuindo com uma fração do salário previdenciário futuro para passar depois outros 30 anos (como aposentado) ganhando salário previdenciário integral. E tem mais: a economia informal impede o crescimento das receitas; o emprego em empresas, com carteira assinada e tudo, é um animal em extinção, o que reduz a contribuição do empregador; e o aposentado está vivendo cada vez mais, o que significa que as aposentadorias têm de ser pagas por mais tempo.

A questão previdenciária é mais grave do que a própria dívida pública mobiliária, que já é considerada um dos maiores problemas da economia brasileira, porque paralisa tudo.

Enfim, a encrenca da Previdência é o principal problema fiscal do Brasil. E não consola em nada a afirmação tantas vezes repetida de que todos os grandes países do mundo enfrentam a mesma situação.

Isto posto, fazer o quê? Não há solução indolor. O ex-ministro José Cechin insiste em que é preciso desvincular os reajustes do INSS do reajuste do salário mínimo: o aposentado teria direito só ao reajuste de acordo com a inflação. O especialista em Contas Públicas Raul Velloso sugere que se separe lé de cré: o que for aposentadoria segue com os direitos de lei; o que for assistência social ficará com o que sobrar das receitas orçamentárias. O professor Fábio Giambiagi entende que não haverá solução enquanto a idade mínima para aposentadoria não subir para 65 anos. Outras sugestões combinam as opções anteriores.

Em toda rota de colisão há um tempo máximo em que ainda se pode evitar o desastre. Se o próximo governo não encaminhar uma solução, poderá ser tarde demais.