Título: O ajuste do câmbio
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/03/2006, Economia & Negócios, p. B2

É compreensível que os exportadores apostem na piora das condições do setor externo. É o que poderia indicar uma virada imediata de tendência na trajetória da cotação do dólar.

Apesar dessa torcida, os resultados das Contas Externas de fevereiro, ontem divulgados,apontam o contrário.

Basta dizer que o Banco Central se sentiu na obrigação de rever para melhor as projeções dos resultados de algumas subcontas importantes. Em janeiro, previa na balança comercial (exportações menos importações) de 2006 um saldo positivo de R$ 35,5 bilhões. Um mês depois, puxou-o para R$ 39,0 bilhões. Na semana passada, o mercado financeiro, conforme mostra a pesquisa Focus, recalculava para cima: superávit comercial de US$ 40 bilhões.

O Banco Central também passou a contar com maior entrada de Investimentos Estrangeiros Diretos (IED): em vez dos US$ 16,0 bilhões projetados em janeiro, agora aponta US$ 18,0 bilhões. A estimativa da entrada líquida de capitais passou de US$ 19,9 bilhões para US$ 24,7 bilhões.

Nesse ambiente, não dá para esperar uma reversão firme do rumo do câmbio, ainda que os dados de 2006, que englobam os resultados do comércio exterior até a terceira semana de março, acusem, sobre igual período do ano passado, um crescimento maior das importações (20,1%) do que das exportações (16,8%). A tendência é que continuem sobrando dólares.

No último domingo, esta coluna (Sem saída) argumentou que os defensores da desvalorização do real não apresentaram, até agora, uma única proposta consistente, capaz de obter o que pretendem. Desde outubro, os juros já caíram 3,25 pontos porcentuais e, no entanto, não há sinal de reversão no câmbio. Novas quedas de juros devem reforçar a percepção de que os fundamentos da economia melhoraram, o que pode derrubar ainda mais o dólar.

Afora isso, o Banco Central já não tem bala para seguir comprando moeda estrangeira "para recompor reservas". E a reforma cambial, a menina-dos-olhos da Fiesp, tem um grave defeito e um inconveniente: propõe uma reforma estrutural para resolver um problema conjuntural (dólar barato demais); e, se encontrar aceitação no governo, vai demorar para sair.

Nos últimos dias, circularam informações no mercado financeiro de que o Banco Central estaria preparando decisões administrativas que desencorajem operações de arbitragem com juros (levantamento de empréstimos externos a juros em torno de 7% ao ano para aplicar os reais no mercado interno a juros de 16,5% ao ano, o que estaria atraindo capitais em excesso). Mesmo se saírem medidas desse tipo, seu impacto no câmbio interno não parece relevante. Ainda assim, nos dois últimos dias, o dólar avançou 2,26% em relação ao real, o que parece refletir essa expectativa.

Se é para provocar reversão no câmbio, há, sim, uma saída. É a proposta do Ministério da Fazenda que prevê a desoneração das importações. Mas os empresários pegam urticária ao simples enunciado dessa proposta. Ontem, o ministro do Desenvolvimento, Luiz Furlan, não mediu palavras para atacá-la.

O leitor desta coluna Pedro John Meinrath observa que, mais cedo ou mais tarde, o câmbio se reequilibrará graças ao aumento das importações, à migração de fábricas e à perda de contratos no exterior por falta de competitividade do produtor brasileiro.

Este é o ajuste clássico, que poderá acontecer naturalmente. Mas, se for assim, levará tempo para completar-se. Como se pode concluir a partir das projeções do Banco Central e de quem põe dinheiro nisso (o mercado), não é o que se espera que vá acontecer até dezembro.