Título: Câmbio e rentabilidade setorial
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/03/2006, Economia & Negócios, p. B2

O efeito da valorização do real em relação ao dólar americano (13,4% em 2005) varia muito de um setor de atividade para outro, assim como em razão da maior ou menor dependência da empresa de importações de bens de capital ou de insumos, ou, ainda, do seu grau de endividamento externo.

Um estudo encomendado pelo jornal Valor sobre a evolução da rentabilidade das grandes empresas brasileiras é bastante elucidativo nesse sentido. De uma forma geral, sabe-se que a apreciação da moeda nacional dificulta um aumento das exportações e favorece as importações. Mas esse princípio geral parece estar sendo desmentido no caso brasileiro, pois, se as importações estão crescendo, as vendas externas também não param de aumentar, o que em grande parte explica as dificuldades encontradas pelas autoridades monetárias para conter a valorização do real. Paralelamente, essa evolução contribui para reduzir a rentabilidade das empresas que, para o mesmo volume exportado, têm uma receita menor em reais.

Essas normas gerais, no entanto, nem sempre se verificam. Um aumento do preço internacional pode compensar largamente o efeito câmbio. Assim, no setor da mineração (minérios de ferro e petróleo), estamos assistindo a uma explosão da rentabilidade, decorrente de aumento da demanda externa, que favoreceu uma elevação dos preços. Todavia, em outros setores, a valorização se traduz por um volume menor de vendas, casos de papel e celulose, em que o Brasil tem vantagem comparativa, mas não pode realizar os investimentos necessários em conseqüência da forte queda da rentabilidade (sem falar dos ataques do MST).

É interessante notar que algumas empresas, como no setor têxtil, que poderiam sofrer um impacto negativo da apreciação do real, que favorece a importação de produtos concorrentes, conseguiram compensá-lo, seja se aproveitando da taxa cambial para realizar investimentos em bens de capital importados, seja diminuindo seus custos financeiros mediante o resgate das suas dívidas externas a um custo menor. Outras aumentaram a importação de insumos que entram na composição dos seus produtos exportados ou fizeram remessas de lucros e dividendos a um custo menor em reais, o que foi, em parte, o caso da indústria automobilística.

É necessário lembrar que setores "labour intensive", como o de calçados, não tiveram outra saída a não ser implantar fábricas em países em que o custo da mão-de-obra é muito inferior ao vigente no Brasil.

Embora essa conjuntura cambial tenha dado origem a uma melhoria da produtividade, não se pode negar a urgência de uma desvalorização da moeda nacional.