Título: 'Eu estava dizendo a verdade. Queria ser prefeito e cumprir o mandato'
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 02/04/2006, Nacional, p. A6

Serra destaca que não é o primeiro a passar por essa situação e diz que, se PT quiser criticá-lo, não encontrará argumentos

Entrevista

Muitas pessoas dizem que o senhor vai entrar numa campanha relativamente fácil.

Não acredito em eleição fácil. Quando alguém diz que acha que minha eleição será fácil só posso agradecer e torcer para que tenha razão. Mas não é assim que vejo as coisas. Em 1990, fui reeleito deputado federal com mais de 600.000 votos. Fui o candidato mais votado do País, na época. No final, você poderia dizer que era uma eleição fácil. Mas trabalhei como se fosse uma eleição difícil. No fim das contas, é sempre assim.

Por quê?

Porque numa eleição você está sendo submetido ao eleitor. No dia da votação, ele vai até a urna e diz o que pensa de você. Ele julga.

O senhor acredita que a situação nacional vai influenciar a campanha estadual?

Acho que esse elemento terá menos importância do que se imagina. Os analistas políticos adoram falar sobre isso. Gostam de somar resultados em São Paulo e na Bahia para falar alguma coisa de Brasília. Eu acho que não é assim. Local é local, nacional é nacional. Digo isso mesmo sabendo que, para mim, seria muito mais fácil fazer uma campanha a partir de temas nacionais. Só que não costumo cultivar ilusões, pelo menos depois que consigo identificá-las. Não há nem espaço para um candidato a governador ficar debatendo outros assuntos. Isso é para quem disputa a Presidência.

De que forma o governo Lula não vai afetar a eleição em São Paulo?

Os eleitores querem saber qual é o time do candidato, seja o seu partido, seja o sistema de forças políticas do qual você faz parte. É por aí que o debate nacional aparece. O eleitor quer saber de onde você vem. Durante a campanha, os eleitores vão pensar no que está acontecendo em Brasília e no que ocorre em São Paulo para comparar. Se a opção à nossa candidatura for o PT, essa comparação com o governo federal será inevitável e vai nos beneficiar.

O senhor acredita que as denúncias sobre corrupção podem definir o pleito?

Ninguém vence uma eleição desse modo. Os eleitores, que aprovam o governo Alckmin, vão avaliar os riscos que o Estado pode correr no futuro. Isso vai nos ajudar.

Em 2002, candidato a presidente da República, o senhor fez campanha em nome da continuidade sem continuísmo. Como vai ser agora, quando estará no mesmo palanque do ex-governador Geraldo Alckmin?

Quando você integra um partido, e tem proximidade com seu antecessor, há uma linha definida. O que prevalece é a continuidade. Nossa campanha vai ressaltar nossa identidade com os padrões éticos, além das prioridades e melhora na qualidade de gestão promovidas pelo Alckmin. Podem haver diferenças determinadas pela circunstância de cada governo, que respondem a problemas colocados em épocas diferentes. Você tem diferenças de estilo, de personalidade, de ritmo de trabalho.

Como prefeito o senhor desenvolveu algumas críticas na área de educação.

Fiz críticas ao sistema de progressão continuada da prefeitura do PT, que produzia um ensino fraco e precisava de reforço. Sou a favor da progressão continuada, mas acredito que a escola deve ensinar o aluno, não criar um regime ultraliberal onde as crianças aprendem pouco. Na prefeitura, instalamos um assistente para cada professor nas salas de aula. Podemos fazer o mesmo no Estado, se eu for eleito.

O PT dirá que sua vitória em 2004 foi baseada numa mentira, a de que o senhor iria cumprir o mandato até o final.

Se for assim, isso vai mostrar que eles não têm outra crítica para fazer. Tenho uma vida pública longa e diversificada. Em todos os postos que ocupei, minha conduta sempre foi considerada irrepreensível do ponto de vista moral, ético e de eficiência.

Mas por que o senhor assinou o compromisso de cumprir o mandato até o final?

Eu estava dizendo a verdade. Não foi uma dissimulação, até porque tenho experiência política suficiente para saber que um ato desses poderia ser usado contra mim no futuro. Mas queria ser prefeito e cumprir o mandato. Não quero me comparar com estadistas de estatura infinitamente maior, mas mesmo políticos de estatura infinitamente superior à minha enfrentaram uma situação semelhante.

Quais?

O Tancredo Neves deixou de cumprir o mandato de governador de Minas Gerais até o final porque foi concorrer à Presidência da República no Colégio Eleitoral. Em 1940, Franklin Roosevelt, o maior estadista dos Estados Unidos no século século 20, se comprometeu com as mães americanas no sentido de que seus filhos não iriam lutar na Segunda Guerra Mundial. Mas, depois de organizar a frente aliada, e patrocinar diversos exércitos que combateram o nazismo, Roosevelt enviou os soldados americanos para a Europa. Seria absurdo dizer que Tancredo ou Roosevelt faltaram com a verdade. As circunstâncias mudaram e mudam o destino da política.

O senhor disse, no final da campanha de 2002, que Lula estava cometendo estelionato eleitoral com tantas promessas de mudança e desenvolvimento. Considera que acertou na previsão?

Posso dizer que até eu estou decepcionado. A minha previsão era de que, em caso de vitória do Lula, eles teriam problemas de qualidade na administração. Não tinham quadros preparados nem um programa claro para o Brasil. Achava que, em matéria de política econômica, eles não teriam nenhuma criatividade para manter a estabilidade e ao mesmo tempo promover o crescimento. Eu tinha razão nesses aspectos, mas fui modesto na crítica. Eles se superaram, foram muito além do que se podia imaginar. No plano ético trouxeram de volta aquilo que a política brasileira tinha de pior. P.M.L .

AUTO-RETRATO: "Em todos os postos que ocupei, minha conduta sempre foi considerada irrepreensível"

PT NO PODER: "Fui modesto na crítica. Eles se superaram, foram muito além do que se podia imaginar"