Título: CPI desiste de acordo, atropela PT e aprova relatório de Serraglio
Autor: Eugênia Lopes, Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 06/04/2006, Nacional, p. A4

Parecer que confirma mensalão e pede indiciamento de mais de cem pessoas passa com voto de três governistas

Sob aplausos dos oposicionistas e protestos indignados dos petistas, a CPI dos Correios aprovou ontem, por 17 votos a 4, o relatório do deputado Osmar Serraglio (PMDB-PR), que apontou a existência do mensalão e pediu o indiciamento de mais de cem pessoas, entre as quais os ex-ministros José Dirceu e Luiz Gushiken, atual chefe do Núcleo de Assuntos Estratégicos do governo. A tumultuada sessão durou menos de meia hora e quase terminou em pancadaria.

A maioria dos 17 votos a favor do relatório foi dada por parlamentares da oposição. Três governistas surpreenderam por apoiar, na última hora, o texto de Serraglio: o vice-presidente da CPI, Asdrúbal Bentes (PMDB-PA), e os deputados Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP) e Luiz Antonio Medeiros (PL-SP). O presidente da CPI, senador Delcídio Amaral (PT-MS), não deixou os integrantes da CPI discursarem ao dar seus votos. Eles também não puderam comentar as modificações feitas no relatório durante a tarde por Serraglio.

O PT tentou, então, adiar a votação, exigindo por escrito as modificações pontuais feitas pelo relator. Mas Delcídio manteve o pulso firme e continuou a chamar os parlamentares para votar, ignorando os protestos dos companheiros de partido. O PT anunciou que vai recorrer à presidência do Congresso para anular a sessão.

"Essa votação foi completamente errada porque em toda CPI cabe a votação de destaques", reclamou o líder do governo no Senado, Aloizio Mercadante (PT-SP), que apareceu na sessão da comissão depois que o relatório já estava aprovado. "Foi uma sessão antidemocrática", disse Jorge Bittar (PT-RJ), que ficou irritado a ponto de quase agredir fisicamente Delcídio. Os parlamentares do PMDB do Senado acabaram não votando o relatório. "Gostaria que houvesse alguma negociação para essa votação não parecer uma ditadura", afirmou o líder do PMDB no Senado, Ney Suassuna (PB).

A votação do relatório final de Serraglio começou às 18 horas, depois que fracassou a tentativa de acordo entre governo e oposição, negociada durante todo o dia. Apesar de o relator ter poupado o presidente Luiz Inácio Lula da Silva em seu texto, a votação foi uma derrota para o governo. Além de indiciar ex-estrelas petistas, o relatório afirma com todas as letras que o governo montou um esquema de pagamento de parlamentares para votar a favor de propostas de seu interesse. Diz ainda que recursos do Banco do Brasil, por meio da Visanet, foram desviados para o valerioduto.

O risco de a CPI se encerrar sem um relatório final ou de os governistas serem obrigados a derrubar o texto de Serraglio vinha preocupando o Planalto nos últimos dias. Na manhã de ontem, Maurício Rands (PE) e a líder do PT no Senado, Ideli Salvatti (SC), tiveram uma reunião com o ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro. Mercadante também esteve no Planalto. A ordem era tentar fechar um acordo. No início da sessão para votar o relatório, Serraglio leu mudanças pontuais no relatório. Ele retirou da lista de pessoas que sacaram recursos do mensalão o nome de Márcio Lacerda, que foi secretário-executivo do Ministério da Integração Nacional comandado até a semana passada por Ciro Gomes (PSB).

Serraglio também retirou dos pedidos de indiciamento o atual presidente dos Correios, Jânio Pohren, do ex-presidente do Banco do Brasil Cássio Casseb e do atual vice-governador de Minas, Clésio Andrade (PL). A radicalização do PSDB e do PFL contra concessões no relatório seguiu orientação direta da cúpula dos dois partidos. Já na manhã de ontem, Eduardo Paes (PSDB-RJ) considerava difícil um acordo. ACM Neto (PFL-BA) chegou a falar na possibilidade de consenso, mas às 15 horas o líder do PFL na Câmara, Rodrigo Maia (RJ), avisou: "O partido não vai aceitar mudança nos pontos principais: mensalão, dinheiro abastecido com a Visanet, fundos de pensão e os indiciamentos já propostos."