Título: Economia global reacelera motores
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/04/2006, Economia & Negócios, p. B8

Ritmo favorece países emergentes como o Brasil e previsões para crescimento mundial são revisadas para cima

E lá vem ela de novo. Voltando a surpreender os céticos, e aqueles que vêem desequilíbrios estruturais em cada esquina, a economia global reacelerou neste início de 2006, e já está levando os analistas a elevar seus prognósticos para o crescimento do mundo neste ano.

O ritmo espetacular da economia mundial nos últimos anos vem sustentando a bonança de países emergentes como o Brasil, ao puxar o preço de muitas commodities que estas nações exportam. Até agora, a expansão global foi acompanhada de baixa inflação e reduzidos juros de longo prazo. O risco, porém, seria uma alta dos juros internacionais, que reduziria a liquidez financeira que também beneficia os emergentes.

Na última terça-feira, o Fundo Monetário Internacional deixou "vazar" que a próxima Perspectiva Econômica Global, a ser divulgada em 19 de abril, pouco antes da reunião de primavera do FMI e do Banco Mundial, em Washington, trará um aumento da projeção de crescimento da economia do mundo de 4,3% para 4,9%. A Perspectiva é um documento bianual de previsões e análises econômicas. Se o prognóstico do FMI se confirmar, a economia global, pela primeira vez em pouco mais de 35 anos, crescerá 4 anos seguidos a mais de 4% (ver gráfico). A última vez que isto ocorreu foi no quadriênio 1970/1973.

O FMI não indicou onde o crescimento está se revelando maior que o esperado em 2006 (isto só será feito na divulgação oficial da Perspectiva Econômica Global). Teoricamente, a expansão acima do previsto pode estar vindo de vários cantos do globo - hoje, não se pode mais dizer, como era comum entre meados dos anos 90 e o início da atual década, que os Estados Unidos sejam o único motor da economia global.

O Japão, por exemplo, já saiu da letargia na qual esteve mergulhado por muitos anos por causa do processo deflacionário que se instalou depois do estouro da bolha nipônica na virada dos anos 80 para os 90. Na Europa, apesar do marasmo estrutural, a Alemanha tem dado sinais de vida. E há finalmente a fabulosa economia chinesa, que vem ganhando massa crítica à medida que cresce desenfreadamente.

Apesar da pluralidade de motores, a expectativa de vários analistas é de que os Estados Unidos podem estar fazendo boa parte da diferença na alta das projeções de crescimento da economia global neste primeiro semestre de 2006. "A desaceleração esperada não está se verificando; a economia americana ainda cresce de modo robusto e com inflação sob controle", diz o economista brasileiro Otaviano Canuto, diretor executivo do Banco Mundial. A última previsão do FMI para o crescimento da economia dos EUA em 2006 é de 3,3%.

Havia a expectativa de que, quando o aquecido mercado imobiliário americano desse sinais de arrefecimento (o que já está acontecendo), os consumidores do país diminuíssem o ritmo das compras, mas isto não ocorreu até agora. "O ciclo de expansão de preços dos imóveis nos Estados Unidos não está dando lugar a um estouro catastrófico, e a desaceleração abrupta no ritmo de compras dos americanos não se materializou", diz Canuto.

Kenneth Rogoff, professor de Economia em Harvard e ex-economista chefe do FMI, ainda acha que o resfriamento do mercado imobiliário americano pode frear a economia dos Estados Unidos em 2007 e 2008, e que a China pode desacelerar-se um pouco. "Um teste-chave é verificar se outras regiões, particularmente a Europa e o Japão, podem compensar aqueles efeitos desaceleradores", diz.

Para Ilan Goldfajn, sócio da Gávea Investimentos, e ex-diretor do Banco Central, o forte crescimento da economia global continua a ser determinado pela combinação de dois fatores: de um lado, "os Estados Unidos que não param de consumir", e, do outro, "a China produzindo tudo o que pode e o que não pode, com uma reserva de mão-de-obra quase infinita".

O que Goldfajn e muitos outros economistas vêem é uma imensa instabilidade potencial, com excesso de consumo nos Estados Unidos e excesso de poupança na China, levando a um crescente endividamento externo americano. E é em cima deste arranjo bizarro que a economia global vem se equilibrando por um período muito mais prolongado do que se previa antes.

O boom chinês, aliás, é considerado um dos principais responsáveis pelo soerguimento do Japão, que fornece ao vizinho gigante máquinas e outros produtos tecnologicamente sofisticados, enquanto importa bens intensivos em mão-de-obra. "A China conseguiu até reavivar o paciente morto", diz Goldfajn.

Para Gino Olivares, economista-chefe do Opportunity Asset Management, a razão pela qual a economia americana vem seguidamente surpreendendo os analistas é a mesma que está por trás da célebre "charada" enunciada pouco antes de deixar o cargo por Alan Greenspan, o mítico ex-chairman do Federal Reserve (Fed, o banco central americano. A charada (que não está resolvida, ressalta Olivares) é saber por que as taxas americanas de longo prazo permanecem baixas, mesmo depois que o Fed elevou o juro básico (de curto prazo) de 1% para 4,75%, num movimento iniciado em 2004.

Olivares observa que o novo chairman do Fed, Ben Bernanke, cogita, como solução da charada, as possibilidades bem distintas de uma queda global da instabilidade financeira (que poderia inclusive estar relacionada à crescente sofisticação da conduta dos BCs), ou de um excesso de poupança no mundo. De toda forma, Bernanke continua apertando o juro básico americano, como prevenção para um eventual superaquecimento, e esta semana as taxas longas deram sinais de reagir. "Pode ser um sinal de que a festa está chegando ao fim", alerta Goldfajn. A festa, porém, tem mostrado uma impressionante capacidade de durar mais que o previsto.