Título: O que esperar de Kassab
Autor: João Mellão Neto
Fonte: O Estado de São Paulo, 07/04/2006, Espaço Aberto, p. A2

Os paulistanos, por enquanto, estão perplexos. Na última sexta-feira o prefeito José Serra renunciou ao mandato para disputar o governo do Estado e deixou em seu lugar o vice, o até então quase desconhecido Gilberto Kassab. Quem é ele? Qual é a dele? Saberá governar a cidade? São estas as perguntas que estão todos se fazendo. Afinal, ele comandará a quarta maior metrópole do mundo e o terceiro maior orçamento do Brasil - inferior apenas ao da União e ao do Estado de São Paulo. Ficará no cargo por dois anos e nove meses, tempo suficiente para imprimir marca própria à gestão da Prefeitura de São Paulo.

Pois bem, eu conheço Kassab há quase 20 anos. Desde 1988, quando ingressei no Partido Liberal, agremiação da qual, com menos de 30 anos de idade, ele já era uma espécie de factótum. O PL de então era um partido de que nós nos orgulhávamos de participar. Abraçava a doutrina liberal com convicção e entusiasmo e seus dirigentes se preocupavam, inclusive, em dar aulas sobre liberalismo aos militantes. Afif Domingos, seu presidente, fazia questão de dizer que devia grande parte da estrutura do partido ao engenho e a arte daquele rapaz. No ano seguinte, quando Afif se candidatou a presidente da República, confiou a Kassab a coordenação da campanha. Aquele jovem circunspecto viajou por todo o País articulando e amarrando alianças para a candidatura. Foi dali que proveio seu apelido de "menino prodígio" da política. Poucos anos depois, elegeu-se vereador, deputado estadual e, por fim deputado federal, com nada menos que 240 mil votos. Nesse ínterim, com a desfiguração do PL original, passou para o PFL. Foi Kassab, e ninguém mais, que montou a estrutura do partido em mais de 500 municípios paulistas.

O presidente nacional do PFL, senador Jorge Bornhausen, político experimentado, declara, para quem quiser ouvir, que Kassab é um gênio da arte política. E, de fato, ele é, na minha opinião. Trata-se de uma convicção formada numa convivência de quase duas décadas. Kassab interage no jogo político com o cálculo e a visão estratégica de um enxadrista. Não dá um único passo em falso e é capaz de antever várias jogadas à frente.

Mas, se o seu talento político é reconhecido até mesmo por seus desafetos, o que dizer de seus pendores administrativos? Nesse campo ele não tem quase nenhuma experiência, a não ser os 14 meses em que exerceu a pasta do Planejamento na gestão Pitta. Basta ser um bom político para governar São Paulo?

Acredito que sim. Como dizia o grande prefeito Prestes Maia, governa melhor um político cercado de técnicos do que um técnico cercado de políticos.

Já fui secretário municipal em três pastas diferentes. Creio conhecer razoavelmente a máquina administrativa da cidade. Ela conta com excelentes quadros e recursos humanos em todas as suas áreas de atuação. É, sem dúvida, a mais gabaritada estrutura pública do Brasil, em nível municipal. De quando em quando ela é violentada e desfalcada por perseguições políticas e idiossincrasias de uma ou outra gestão. Mas tem o dom de se recompor. Através da História, os prefeitos bem-sucedidos, mesmo sem experiência prévia, foram os que souberam valorizar a prata da casa, garimpando os bons talentos, dando-lhes incentivos e alçando-os a posições de relevo.

Kassab, excelente político que é, tem sensibilidade suficiente para identificar e atrair para perto de si os melhores dentre os melhores.

Além do mais, é extremamente ambicioso. Aos 45 anos de idade, tem ciência de que sua carreira política não se encerra com o mandato-tampão de prefeito que lhe foi concedido. Ele almeja muito mais. E usará de toda a sua capacidade e empenho para consegui-lo.Seu futuro depende da aprovação popular dos paulistanos. E para obtê-la haverá de se desdobrar ao máximo para ser um excelente prefeito. Ele é obcecado pelo trabalho e não há dúvida de que dará o melhor de si para realizar uma brilhante gestão.

A prudência aconselha-o a ser cauteloso. O povo votou em Serra, não nele. E credibilidade é algo que só se constrói aos poucos. O melhor que tem a fazer, no momento, é ser fiel, ao máximo, aos desígnios do ex-prefeito. Kassab não só teve a sabedoria de manter intacto o secretariado serrista como faz questão de declarar sua total lealdade e submissão ao plano de governo de seu antecessor. E só arriscará seus primeiros passos depois das eleições. Serra, se eleito governador, convocará vários secretários municipais para sua gestão. Para as vagas abertas Kassab poderá, então, trazer pessoas de sua confiança. A partir daí começará, de fato, o seu governo.

Fará uma boa gestão?

Embora seja prematuro avaliar, arrisco dizer que sim. Engenheiro e economista pela USP, ele não é jejuno em assuntos relativos a obras e finanças. Bem relacionado com boa parte da elite empresarial de São Paulo, não lhe faltarão bons nomes para compor seu próprio círculo de auxiliares e conselheiros. Ele tem bom senso e tino político suficientes para não se deixar enredar pelas intrigas e artimanhas que cercam os que ocupam o poder. Sabe, como ninguém, avaliar as pessoas e suas intenções. Kassab é ambicioso, mas não é afoito, vaidoso ou ingênuo. Não faz concessões à demagogia e faz questão de honrar a palavra dada. São essas características que o fazem benquisto e respeitado nos meios políticos. Além do mais, está recebendo uma Prefeitura bem estruturada e encaminhada. Ele reúne, enfim, todas as circunstâncias e predicados necessários para fazer uma boa administração.

Parte da população paulistana, por enquanto, ainda o vê com algumas reservas. É compreensível, uma vez que pouco sabe sobre ele. Mas quem o conhece está tranqüilo. Kassab sonha alto. E aqueles que almejam as estrelas não se permitem deleites, desfrutes ou deslizes aqui, no chão.

Boa sorte, prefeito! São Paulo, na sua grandeza, exige que o senhor seja grande também.