Título: Ligando o nome à pessoa
Autor: Dora Kramer
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/04/2006, Nacional, p. A6

A oposição deve ter ficado um tanto sem graça diante da firmeza, objetividade, consistência e poder de convencimento da denúncia apresentada ao Supremo Tribunal Federal pelo procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, contra os 40 envolvidos no chamado escândalo do mensalão.

Daí, para reagir politicamente à altura do peso da peça produzida pelo Ministério Público, retomou o tema impeachment do presidente Luiz Inácio da Silva.

Por enquanto, a proposta não passa disso: de uma maneira de subir ao patamar de gravidade conferida ao assunto pelo procurador e tentar, finalmente, ver se consegue fazer o eleitor ligar o nome à pessoa, ou seja, a figura do presidente da República ao esquema de corrupção montado - conforme conclusão do MP - pelo partido de Lula para sustentar o governo presidido por Lula.

Objetivamente, a proposta hoje não tem chance de prosperar. E não só pela alegada ausência de apoio popular. O fato de as pessoas não irem às ruas para exigir a responsabilização constitucional do presidente não quer dizer necessariamente que, diante de um processo bem fundamentado, não viessem a fazê-lo.

Mas os adversários de Lula - pelo menos os residentes nas estruturas partidárias - não parecem dispostos a comprar essa briga, pôr as faces a bater e tirar a dúvida.

Temem o risco efeito contrário - a população achar por bem defender o presidente -, o inverso daquele obtido por Fernando Collor quando pediu apoio verde-amarelo às ruas e viu que a sociedade estava era de luto por sua presença na chefia da Nação.

No momento, o impeachment fica restrito ao terreno da ameaça também porque não há tempo hábil para os partidos cuidarem do assunto em plena campanha eleitoral. O Congresso está vazio, desarticulado, os partidos só fazem conversas sobre alianças, em junho haverá as convenções para escolhas de candidatos, em julho tem a Copa do Mundo e, em agosto, a eleição está na TV com o horário gratuito.

Não há político que consiga desviar as forças mobilizadas para o momento eleitoral a fim de cuidar do impedimento de um presidente, em tese, com apenas mais seis meses de mandato.

A coisa poderá, entretanto, mudar de figura em caso de reeleição. Segundo o artigo 7º da Lei 1.079 de 1950, é crime de responsabilidade do presidente da República "servir-se das autoridades sob sua subordinação imediata para praticar abuso do poder, ou tolerar que essas autoridades o pratiquem sem repressão sua".

Comprovadas as acusações remetidas ao STF pelo Ministério Público, ou mesmo com base no resultado das investigações parlamentares de inquérito - dos Correios e dos Bingos -, os partidos dificilmente deixarão transcorrer muito tempo do início de um possível segundo mandato de Lula para repor - e aí sob nova ótica e força - na agenda o tema do impeachment presidencial.