Título: Rato: América Latina ainda é frágil
Autor: Rolf Kuntz
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/04/2006, Economia & Negócios, p. B5

Governos da região não têm como reagir a um choque externo, alerta o diretor-gerente do FMI

A América Latina terá dificuldade para reagir a um novo choque externo, segundo a avaliação do Fundo Monetário Internacional (FMI), reiterada ontem por seu diretor-gerente, o espanhol Rodrigo de Rato. Se os juros internacionais subirem e o crescimento mundial diminuir, muitos governos latino-americanos não terão espaço para gastar mais e sustentar a atividade econômica sem criar outros problemas, de acordo com Rato.

"A economia global continua vulnerável a um ajuste desordenado e abrupto dos desequilíbrios globais", disse o diretor, "e todos devemos ter consciência disso - mesmo que as coisas estejam bem neste exato momento."

Muitos governos da América Latina, segundo ele, não têm condições de "usar a política fiscal de forma contracíclica". Não dispõem, portanto, de "um instrumento muito importante para qualquer condutor de política". Tradução: não podem gastar nos tempos de vacas magras porque não fazem reservas quando as vacas estão gordas.

Os juros internacionais já estão em alta, os Estados Unidos continuam com enorme buraco nas contas externas - cerca de 7% do Produto Interno Bruto - e os preços do petróleo devem permanecer elevados por muito tempo. Algum acerto ocorrerá e o risco de um ajuste acidentado não é desprezível, segundo os economistas do Fundo.

A América Latina, segundo Rato, deveria aproveitar as atuais condições favoráveis - juros ainda acessíveis, muito dinheiro no mercado internacional e bons preços de produtos básicos -- para reforçar sua posição e suas defesas. "Este é um momento muito bom para a América Latina tirar vantagem das circunstâncias."

Mas, para isso, os latino-americanos "têm de ser ambiciosos ao responder a suas necessidades". A América Latina, disse, é conhecida pelas "duas décadas perdidas", porque o crescimento não tem sido sustentável. A região precisa crescer mais e agora tem uma chance para isso: a inflação é baixa, o déficit público está em queda e a administração da dívida "está ficando muito mais eficiente". A região também precisa combater a pobreza e a desigualdade "e há exemplos de políticas bem focadas".

Mas tudo isso ainda é insuficiente, segundo Rato, para permitir uma política de expansão de gastos em momentos difíceis e um esforço maior será necessário - recomendação já incluída no Panorama Econômico Mundial divulgado no dia anterior. As eleições deste ano, afirmou, podem abrir novas oportunidades em muitos países. No Panorama, o tom é diferente: em tempo de eleições é necessário um cuidado extra com as pressões por maiores gastos.

Nos comentários iniciais, antes de responder a perguntas dos jornalistas, Rato falou sobre a reforma do FMI e sua estratégia de médio prazo. Uma das propostas é o aumento das cotas e do poder de voto de países sub-representados. Alguns deles ganharam peso na economia mundial nos últimos 15 anos, mas seu poder de voto não aumentou. Rato recusou-se, ontem, a dar uma lista desses países, mas a China tem sido citada como um nome certo nessa relação.

O governo brasileiro tem defendido a inclusão do Brasil entre os beneficiários da distribuição de poder de voto.