Título: A China, aliada ou adversária?
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/04/2006, Notas e Informações, p. A3

A visão politicamente distorcida do governo Lula a respeito da China e de suas práticas comerciais tem resultado em perdas crescentes para a indústria e para a economia brasileiras. Enquanto, no plano diplomático, os representantes brasileiros tratam a China com cuidados que beiram a mesura subserviente, no terreno das práticas comerciais os chineses avançam de maneira implacável sobre os mercados, não hesitando em eliminar a concorrência local mesmo que para isso tenham de recorrer, quando lhes convém, a práticas condenadas pela OMC. O resultado é um comportamento errático do governo brasileiro que ao mesmo tempo aplaude as atitudes de Pequim no comércio externo e se prepara para questioná-las.

A OMC está revendo a política comercial da China. Trata-se de procedimento ao qual os países industrializados se submetem a cada dois anos e os demais membros da OMC, a cada quatro anos. Os representantes dos EUA e da União Européia, cujos mercados estão sendo invadidos por produtos chineses, mas cujas exportações para a China enfrentam barreiras, decidiram criticar a falta de transparência das práticas comerciais de seu parceiro, que incluem dumping - em casos como produtos têxteis e calçados - e pirataria.

Mas, mesmo com a economia brasileira sofrendo as conseqüências dessas práticas, o Brasil não apóia as críticas americanas e européias. Em nome de uma parceria estratégica que Pequim ignora, a diplomacia brasileira já fez muitas concessões à China, sem que o Brasil recebesse nada em troca. No plano político, o governo Lula reconheceu que a China é uma economia de mercado, o que facilita sua admissão como membro pleno da OMC, razão pela qual poucos países fizeram tal reconhecimento. O objetivo é ganhar um parceiro nas disputas que o Brasil trava contra os países industrializados a respeito da abertura de mercados para produtos agrícolas.

Acontece que a China não está preocupada em abrir disputas comerciais; o que ela quer é conquistar mercados. E é isso que vem fazendo com grande competência, não apenas nos países ricos. Seu avanço sobre o mercado brasileiro tem sido muito rápido e agora as exportações chinesas para o Brasil não se limitam a matérias-primas e insumos. Nos três primeiros meses deste ano, as importações de bens de consumo da China cresceram 30% em relação a igual período de 2005, enquanto as de matérias-primas e insumos aumentaram 14%.

No caso do ferro elétrico de passar e das chapas pré-sensibilizadas de alumínio utilizadas no processo de impressão pelo sistema off-set, fabricantes brasileiros solicitaram no ano passado a abertura de processo de investigação de prática de dumping, isto é, venda por preço inferior ao de custo ou àquele praticado no país de origem. As investigações começaram.

Nos dois casos, serão comparados os preços pelos quais esses produtos chegam ao mercado brasileiro com os praticados não na China, mas na Tailândia, para o caso do ferro elétrico, e nos EUA, para as chapas de impressão.

A explicação para a escolha desses mercados, e não o chinês, é que a China não pratica a economia de mercado e, por isso, ali os preços são distorcidos. É uma prova de como foi precipitada, e equivocada, a decisão política do governo Lula de reconhecer, em documento oficial, a China como economia de mercado.

Dados sobre a participação dos produtos chineses no mercado brasileiro, fornecidos pelos fabricantes locais, não deixam dúvida quanto à necessidade de investigação. O ferro de passar roupa chinês detinha 2% do mercado brasileiro entre setembro de 2000 e agosto de 2001; entre setembro de 2004 e agosto de 2005, sua fatia já estava em 31,7%. Segundo apontam as empresas brasileiras, o produto chinês chega ao mercado brasileiro ao preço de US$ 2,75, enquanto na Tailândia seu preço é de US$ 8,13.

As questões comerciais devem ser tratadas com objetividade e realismo, tendo em vista exclusivamente os interesses comerciais do País, e não a partir de ambições políticas ilusórias que são puros devaneios ideológicos.