Título: É possível questionar recusa de cobertura
Autor: Érica Polo
Fonte: O Estado de São Paulo, 22/05/2006, Economia & Negócios, p. B6

Natasha Palma está internada desde que nasceu, há oito meses, em uma unidade de terapia intensiva (UTI). A Blue Life - contratada pelos pais da bebê em 2004 - tem bancado os custos decorrentes da internação. Mas, recentemente, eles precisaram mais que isso e ficaram decepcionados. Eduardo de Jesus, pai de Natasha, conta que a empresa recusou a cobertura de determinada vacina, prescrita pelos médicos para a menina em meados de abril. Cada dose custa R$ 4.545,00 e ela deveria tomar quatro delas.

"Segundo os médicos, essa vacina é necessária para protegê-la de vírus de doenças respiratórias. Ela está com a imunidade baixa e 50% dos pacientes que entram no hospital atualmente carregam o vírus", conta. "Ontem (segunda-feira), o comitê médico nos avisou que a vacina não é mais necessária sem explicar o motivo. Isso aconteceu após uma reunião entre representantes do convênio e o comitê de médicos. Pedi as razões por escrito", contou Eduardo, na terça-feira.

A Blue Life, em nota ao Estado, considera "insanidade pensar que o hospital possa sonegar tratamento por pressão do convênio". A empresa recomenda que os pais chamem um especialista, de fora do corpo clínico da rede, para contestar a conduta com segunda opinião.

De modo geral, a opinião de especialistas em defesa do consumidor é que o pagamento pelo convênio será obrigatório, nesse caso, apenas se a vacina for considerada essencial para o tratamento da bebê.

Maria Inês Dolci, coordenadora-jurídica da Pro Teste, diz que a Lei nº 9.656/1998 (que regulamenta o mercado de planos de saúde) não faz referência às vacinas; a obrigatoriedade de cobertura, pela legislação, se limita a medicamentos e procedimentos necessários. A coordenadora orienta os pais da bebê que verifiquem a origem da vacina, pois, de maneira expressa, a lei apenas desobriga a cobertura de remédios importados.

"Vacina nem sempre é considerada medicamento, mas só um médico pode afirmar isso. Se for indispensável para manter a vida da bebê, o convênio deverá cobrir. Se é profilática ou preventiva, entendo que é discutível", opina Maria Inês.

José Eduardo Tavolieri de Oliveira, vice-presidente da Comissão de Defesa do Consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), diz que, se a lei é omissa em relação à cobertura de vacinas, há espaço para discussão judicial e, nesse caso, o consumidor costuma ser favorecido. Ele recomenda aos pais de Natasha que ingressem com ação de revisão de contrato solicitando antecipação de tutela dos direitos. Isso significa que o Judiciário pode conceder liminar obrigando a Blue Life a arcar com todas as despesas enquanto o caso não for resolvido.

Hilma Araújo, técnica do Procon-SP, afirma que, se os médicos avaliam que o procedimento é fundamental, o custo deverá ser coberto, independentemente de que o produto seja medicamento ou vacina. "Não haveria obrigação no caso de vacinas que as crianças têm que tomar todos os anos."

RECUSA É FATO COMUM O caso de Natasha não é o primeiro nem será o último de recusa de cobertura. A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) multou 30 empresas por esse motivo, na semana passada, após uma fiscalização iniciada a partir de queixas de consumidores pelo 0800-7019656.

Não há mágica para evitar nem bola de cristal para prevenir contratempos nessa matéria - já que na hora da contratação do plano é impossível saber que tipo de medicamento ou procedimento médico o usuário precisará um dia -, mas existem algumas dicas importantes. A primeira delas é exigir que a recusa seja feita por escrito e com o motivo. "Geralmente, as negativas acontecem verbalmente, sem motivo, e o usuário não tem como procurar seus direitos", diz Maria Inês.

O cliente também pode pedir a revisão do contrato na Justiça caso o motivo da recusa de cobertura não esteja claro no documento. Tavolieri, da OAB, lembra que as cláusulas de exclusão de coberturas devem estar em destaque e com linguagem clara. Caso contrário, diz, o documento estará em desacordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC).