Título: Calote deixa Masp às escuras
Autor: Jotabê Medeiros e Mauro Mug
Fonte: O Estado de São Paulo, 24/05/2006, Metrópole, p. C1

O prédio do Museu de Arte de São Paulo (Masp), na Paulista, está às escuras desde ontem. A AES Eletropaulo suspendeu, às 7 horas, o fornecimento de energia elétrica por falta de pagamento. O corte é conseqüência de dívida de R$ 3,5 milhões, referente a atraso de sete anos.

A professora de música Sandra Santos Ribeiro, de 60 anos, veio de Uberlândia (MG) para ver a exposição do impressionista Edgar Degas (1834-1917). Deu de cara com um cartaz onde se lia: "Informamos que hoje o Masp não estará aberto à visitação, em virtude de problemas de energia elétrica. Pedimos desculpas pelos transtornos."

Sandra ficou revoltada. "Enfrentei um trânsito horrível, um clima horrível, para isso." O porteiro lhe disse que não poderia dar informações adicionais porque não as tinha. "Isso não combina com a mentalidade do paulistano. É falta de respeito."

Os motivos que a portaria não pôde informar à professora são realmente difíceis de explicar: segundo a Eletropaulo, em março de 2004, foi descoberta ligação irregular de energia no Masp, instalada em fevereiro de 2002. Valor atualizado da energia desviada: R$ 414 mil.

O Masp teve seus serviços internos garantidos graças ao gerador a diesel, que manteve funcionando câmeras de segurança, staff técnico, ar-condicionado, climatização da reserva técnica e elevador, além das luzes. O presidente do Masp, arquiteto Júlio Neves, entrou em contato com a direção da Eletropaulo. Pediu para religarem a luz. Mas a Eletropaulo considerou que, como Neves não ofereceu nada de concreto para pagar a dívida, manteria o corte.

No fim do dia, o Masp divulgou comunicado dizendo que pagara as últimas 11 contas mensais de energia, que o "gato" detectado pela Eletropaulo foi decorrente de "falha técnica no remanejamento do sistema", já corrigida, e que está negociando com a companhia elétrica.

A notícia repercutiu muito mal no meio artístico. "Surpresa e consternação", foi como definiu Emanoel Araújo, diretor do Museu AfroBrasil e ex-diretor da Pinacoteca do Estado. "Pura incompetência de um presidente que pretende construir um 'pirocão' de 129 metros de altura, mas não tem dinheiro para pagar a conta de luz", afirmou, ironizando tentativa de Neves de construir uma torre metálica ao lado do Masp.

"Um museu dessa importância, símbolo da cidade, na avenida mais importante, cercado dos mais importantes bancos, sem luz? É no mínimo deplorável", considerou, de novo ironizando: "Se o Masp, que é da oligarquia, está assim, imagina este museu aqui, o Museu Afro, que é da negrada?"

"Foi um choque", disse Marcelo Araújo, diretor da Pinacoteca. "O acervo de arte ocidental do Masp é o mais importante da América Latina."

Em nota, a Eletropaulo informou que, desde junho de 2005, o Masp paga as contas mensais, mas os acordos referentes aos débitos anteriores não foram cumpridos. A dívida foi parcelada: 17 vezes de R$ 40 mil (das quais o Masp pagou 2) e 35 de R$ 21 mil (pagou uma). A conta mensal de luz é de R$ 80 mil.

"Dói na carne e no coração, mas a gente vai ter que manter o corte", disse Ricardo Lima, vice-presidente comercial da Eletropaulo. Ele rebateu a afirmação de que a companhia põe risco patrimônio artístico inestimável. "Quem põe em risco o patrimônio é o museu", afirmou.

De manhã, o prefeito Gilberto Kassab preferiu não se manifestar sobre o corte de luz. O prédio pertence à Prefeitura e o contrato de comodato termina em 2008. Apesar das finanças do museu, Kassab disse que "a princípio, ele será renovado".

EXPOSIÇÃO

De 196 obras da exposição Degas - O Universo de Um Artista, inaugurada há uma semana, 84 vieram de fora. Do Musée d'Orsay, de Paris; National Gallery, de Londres; Metropolitan Museum, de Nova York; Musée Picasso, de Paris; e National Gallery, de Washington. O curador da exposição, Romaric Sulger-Büel, disse que nenhum desses museus foi avisado da situação. Segundo ele, a co-curadora da mostra, Eugênia Gorini Esmeraldo, funcionária do Masp, assegurou que o sistema de geradores funciona. "Terrível para as obras seria variação de temperatura."