Título: PCC alicia jovens com a tática da irmandade
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2006, Metrópole, p. C3

Josias tinha 10 anos quando arrumou uma rixa na escola. "Era moleque drogado. Um dia, veio cinco me roubar, com um 38 (revólver) e uma 22 (pistola). Puseram arma na minha cara, eu tinha R$ 50 na cueca. Falei pro meu tio, que é irmão (integrante) do PCC e liderança lá do bairro. Ele pegou os caras na saída, levou pra uma quebrada, deu um tiro só no pé de cada um. Não pode mexer com inocente, ir roubando de quem é da comunidade. Isso é PCC."

O relato de Josias é apenas um exemplo da atuação do Primeiro Comando da Capital nas regiões de São Paulo onde a facção domina o tráfico de drogas. Assim, impondo regras seguidas mesmo por quem não é do bando, eles "organizam" o crime, ganham respeito, seja por medo ou admiração, e se firmam como poder moderador nas comunidades.

" O PCC foi fundamental para organizar o crime na periferia. Não existem mais mortes banais, ladrão de botijão", diz um jovem da zona norte. "Morria muito menino por causa de um tênis. Agora, se roubar na comunidade, eles (PCC) te quebram", diz Jonatan, 18 anos, da zona leste. "Um vizinho meu é nóia (viciado). Fica doido, dá tiro pra cima na favela. Os irmão vêm e dão um cala-boca nele: 'Tá maluco? Quer encher de polícia aqui?'", conta Joana, de 16 anos, da zona leste.

Para evitar a presença da polícia, os bandidos resolvem até desavenças entre vizinhos e marido e mulher. Numa política da boa vizinhança, patrocinam times de futebol de várzea, organizam quermesses. Nessas áreas, associações de moradores e ONGs só funcionam com a permissão dos criminosos. Algo semelhante ao que ocorre nas favelas do Rio.

Com os traficantes cariocas, os do PCC aliciam jovens. "Queira ou não queira, na periferia você convive com eles, então é melhor correr pelo certo (seguir as regras)", diz Josias, vingado pelo PCC. A porta de entrada é se tornar um "primo leal" (simpatizante), participando de ações criminosas do grupo, mas em funções menos nobres, como "olheiro" dos pontos-de-venda de drogas.

É uma espécie de programa de trainee do crime. Seguindo as regras duras da facção, jovens ganham respeito dos mais experientes e podem virar "irmãos" aos 18 anos, idade mínima para ingressar na facção.

"Entrar no PCC depende da sua caminhada", diz Jeferson, da zona leste, que passou 3 dos seus 18 anos na Febem. Largou os estudos na 6ª série, tornou-se "primo leal" do PCC, morou e traficou nove meses em uma casa mantida pela facção numa biqueira (ponto de droga) do litoral paulista. "Eles primeiro puxam a sua caminhada (currículo)", diz. "Assalto a banco tem mais valor. Se trocou tiro com PM, se matou, ganha mais respeito", diz o garoto.

Os jovens agem lado a lado com os criminosos e seguem suas regras. Não usar drogas "em serviço", exceto para se manter acordado na vigilância noturna do ponto de drogas. Crack é proibido, assim como brigar com um "irmão" sem a licença do líder. Respeitar familiares dos integrantes, não roubar de pobres, gente da comunidade ou idosos são outras regras. Assim como vingar crimes que a facção, com sua ética própria, considera hediondos.

"A mina gritou: 'Tá querendo me estuprar!' Nós era em cinco. Ninguém do PCC, só primo. Já era. Jack (estuprador) não passa batido", diz Josias. São crimes que viram apenas mais um número nas assustadoras estatísticas de homicídios da periferia. Delatar é falta grave e pode ser pago com a vida.

"PCC tem em todo lugar. Quem tá no crime se espelha", diz Joana, que assumiu a autoria de um assalto para livrar um maior de idade e está em regime em liberdade assistida. "Muitos vão dizer: isso é crime organizado. Mas o que os caras impõem é a irmandade. Toda paz, justiça e liberdade. Se você parar pra pensar, é o que todo mundo quer", acredita Jonatan, que mesmo longe do crime, mantém respeito pelo grupo. "É uma família."

Jonatan já foi olheiro. "Tem que ser firmeza. Entrou no time, não pode jogar mal." Mas, segundo ele, ser aceito pelo PCC não é fácil. "Tem que ter mente estruturada pra pegar cena (crime) de R$ 1 milhão. Eles ficam de olho se você tem algum progresso pra levar pra ele. Tem até gente com faculdade entrando." Para Jair, filho de uma líder do PCC na zona leste, os membros da facção vêem "no olho quem é bandido."

A relação ruim com a polícia na periferia, a distância e a descrença nas autoridades contribuem para o fortalecimento da facção. "O PCC mantém a segurança nas quebradas. Aqui, a gente tem mais medo de polícia. Estes dias mesmo, foram no bairro, invadiram casa, chegaram batendo. Não têm o respeito da periferia assim", diz João, 15 anos, da zona leste.

"Medo de ladrão graças a Deus não tenho, porque eu sou respeitado onde moro. Mas não gosto de polícia, não. Se te pegam com droga, tem que pôr R$ 3 mil na mão do PM", diz Jonatan. No Dia das Mães, ele estava com o pai e amigos na frente de casa quando a PM chegou. Segundo o jovem, os policiais, revoltados com as mortes de colegas, ordenadas pelo PCC, apontaram uma arma para sua cara. "Disseram: 'E aí Jonatan? Saiu pra matar nós?', conta. "Não atiraram porque a minha mãe tava na laje. Eles vão em peixe pequeno pra atingir a baleia. Têm medo do PCC."

Com 18 anos e passagens pela Febem por tráfico de drogas e três roubos, o jovem diz que o PCC é uma referência também no Complexo Tatuapé: "Funcionário só bate o cartão. A gente faz tudo, se organiza, cobra disciplina." Que tipo de disciplina? "O mando do PCC. O que os irmão coloca, hoje, nós segue porque eles tão aí pra ver o que é certo e errado."

Quando a mãe foi presa, Juliana, 15 anos, fugiu para as ruas da Cracolândia. Ela diz que, desde que o PCC assumiu o tráfico na região, viver na rua ficou mais seguro. "Tem gente que vê o PCC como herói porque ele s não quer bagunça nem matança." Tudo para deixar a polícia bem longe.

TERROR E FESTA

A chegada do PCC nas comunidades é mais um desafio para quem desenvolve ações sociais. Nas áreas de domínio do tráfico, ou se é aliado ou inimigo. A estratégia do PCC não é diferente daquela do mundo corporativo, diz o coordenador de uma ONG da Grande São Paulo. Os líderes querem ganhar mercado e, para isso, fazem sua política de "recursos humanos" e boa vizinhança. Relatos de festas organizadas pela facção se repetem em áreas como Jabaquara, Favela Heliópolis e Jardim Imbé, zona sul, Parque Peruche, zona norte, Cidade Tiradentes, Jardim Elba e São Mateus e até na Mooca, zona leste.

A ONG do coordenador, que há mais de 20 anos atende crianças e adolescentes, não conseguiu acordo com os novos líderes do tráfico, que dominaram a favela onde funcionava o projeto. Os educadores, também moradores da favela, tiveram de deixar não apenas a sede da organização, mas suas casas. Após a saída da ONG, os traficantes fecharam ruas no local, montaram um palco para shows de rap e samba e promoveram uma grande festa.

Antes do PCC, a ONG mantinha acordo com antigos traficantes, gente que cresceu no bairro e era conhecida dos moradores, para não aliciar menores. E eles respeitavam. "Agora, tem muita criança armada."

Foi um antigo traficante quem avisou uma líder comunitária da zona leste sobre a troca de comando do tráfico: "Gosto de você, mas mudou o patrão. Agora é da marca (PCC). Não sei se você vai ter acesso." Ela foi conversar com o novo patrão e, hoje, diz ter seu trabalho respeitado. "Embora a gente saiba que tenta tirar as crianças do crime e eles tentam usar", admite . "Depois dos ataques, a situação piorou. O crime está em alta e a polícia, em baixa. Tem garotos de 7 anos vendendo droga, porque eles não levantam suspeitas. "