Título: Facção substitui Estado, dizem especialistas
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2006, Metrópole, p. C3

Para especialistas que lidam com crianças e jovens em situação de risco e estudiosos do PCC, a facção se estabelece no vácuo deixado pelo Estado nos bairros pobres de periferia. "Nas cadeias, o PCC é o protetor. Assim, ganha a simpatia da coletividade. O mesmo pode ocorrer na periferia, com o Estado ausente, a polícia opressora e a falta de direitos", diz o desembargador Renato Laércio Talli, autor de À Sombra do Medo, livro sobre a facção. "O PCC está se estruturando de tal forma que será difícil para o Estado combater", diz, referindo-se ao avanço da facção fora dos presídios.

A opinião é compartilhada pelo coordenador do Movimento Nacional de Defesa dos Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves. "O crime organizado decorre do Estado desorganizado. É na ausência de direitos coletivos que as facções se fortalecem", diz. "É preocupante que uma facção tome o lugar do Estado na comunidade, na disciplina e defesa dos cidadãos."

Do ponto de vista do adolescentes, aqueles em situação maior de vulnerabilidade social podem achar no PCC um amparo, diz a assistente social Maria de Lourdes Paixão, da Obra Social Dom Bosco, que atende 5 mil jovens em Itaquera. "Eles precisam que lhes ditem regras, dêem limites. Que o façam se sentirem importantes."

Segundo o juiz da 1ª Vara da Infância e Juventude, Luís Fernando Camargo de Barros Vidal, cresceu na capital o número de adolescentes detidos desde os atentados do PCC por desacato à autoridade - eles teriam desafiado policiais, dizendo-se membros da facção. Mas, de acordo com o juiz, a maioria não tinha ligação com o grupo.

A linha-dura da polícia só piora a situação na periferia. "Muitos policiais foram mortos. Mas a reação não pode ser violenta. É preciso usar a inteligência", diz a pedagoga Sueli Aparecida Santiago dos Santos, que trabalha com jovens em liberdade assistida em Sapopemba. "Demos passos para trás na recuperação dos meninos. Eles pensam: para que eu vou sonhar, planejar, se a polícia vai sempre me ver como bandido?"

"Os jovens precisam ser vistos, valorizados. O hip hop e o samba mantêm muitos fora da criminalidade", diz Rodrigo Sestari, que coordena oficinas culturais no Parque Peruche, zona norte. "O crime organizado cria uma alternativa para que meninos e meninas pobres e sem oportunidades de ascensão desempenhem algum papel na sociedade", alerta Barros Vidal. "Na periferia, a idéia do heroísmo do PCC já se estabeleceu numa escala muito grande. Com os ataques, o PCC tomou o imaginário até mesmo da classe média. A meninada está brincando de ser PCC."

Mesmo assim, os jovens que se envolvem com o crime são minoria. Apenas 1,2% dos adolescentes brasileiros cumpre medida judicial, segundo dados do Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente (Ilanud).