Título: País viveu queda-de-braço entre Estado e narcoterror
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2006, Metrópole, p. C3

Existe um precedente, na história recente da América do Sul, de uma queda-de-braço entre o Estado e criminosos presos e o desenlace não é alentador. Até o início dos anos 80, o narcotráfico era socialmente aceito na Colômbia, mais ou menos como o jogo do bicho no Brasil. Foram a pressão do governo Ronald Reagan, determinado a secar a fonte de 80% da cocaína que chegava aos Estados Unidos, e a indignação de setores da elite que motivaram uma reação.

Desde 1979, a Colômbia tinha um tratado de extradição com os Estados Unidos. Em 1984, o ministro da Justiça Rodrigo Lara Bonilla decidiu tirá-lo da gaveta. Lara caiu com 11 tiros, perto de casa, em Bogotá. Nascia o narcoterrorismo. O presidente Belisario Betancur teve de decretar estado de sítio.

Em 1988, o governo Reagan impôs sanções comerciais contra a Colômbia, depois que um juiz mandou soltar Jorge Luis Ochoa, um dos chefes do Cartel de Medellín. O presidente Virgilio Barco reagiu imediatamente, prometendo prender e extraditar Ochoa e os outros integrantes da cúpula do cartel.

Surgiram Os Extraditáveis, o braço terrorista do narcotráfico, que declarou, agora sim, "guerra total". Dezenas de policiais, juízes, políticos e pessoas comuns foram mortas nos meses que se seguiram, em atentados a bomba e a tiros. Em julho de 1989, a média era de 47 assassinatos por dia. Entre agosto de 89 e junho de 90, foram 283 atentados, com 272 mortos e prejuízos de US$ 300 milhões.

Os narcotraficantes matavam os candidatos dos quais não gostavam e inundavam de dinheiro as campanhas dos que não os importunavam. Acuadas, pressionadas pelos EUA e pela opinião pública, as autoridades negociavam secretamente com criminosos. Até que, em 19 de junho de 1991, a Colômbia capitulou. Atendendo a exigência do Cartel de Medellín, uma Assembléia Constituinte estabeleceu a proibição da extradição de cidadãos colombianos.

Horas depois, Pablo Escobar se "entregou". O chefe supremo do cartel se encerrou,com oito colaboradores e seu dinheiro, numa fortaleza construída em local por ele escolhido. No complexo de La Catedral, 6,5 quilômetros montanha acima de Envigado, dispunham de paisagens espetaculares, campo de futebol, cachoeira, salão de jogos, televisor de 60 polegadas e até armas e munição.

Quando a imprensa revelou o luxo em que o chefão do tráfico vivia, o presidente César Gaviria anunciou, em 1992, que o transferiria para uma prisão militar. Foi a senha para Escobar e os comparsas fugirem. Começou uma caçada de um ano e meio, que terminou com a morte de Escobar, em dezembro de 1993.

Mas a Colômbia ainda paga o preço pelo que ocorreu. Na fase do narcoterrorismo teve início a aliança dos cartéis com a guerrilha. Nos anos 90, os cartéis foram desbaratados. Estruturada de forma militar e financiada pelo narcotráfico, a guerrilha desafia até hoje a autoridade do Estado colombiano.