Título: Transferência criou filiais do PCC
Autor: Luciana Nunes Leal
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2006, Metrópole, p. C3

Violentas rebeliões organizadas pelo Primeiro Comando da Capital (PCC) desde 1997 levaram o governo paulista a adotar a política de transferência dos líderes da facção criminosa para presídios fora de São Paulo. A estratégia durou de 1998 a 2002. O objetivo de isolar os criminosos, no entanto, surtiu efeito contrário: o PCC se expandiu em várias "filiais".

"A transferência de presos do PCC para outros Estados foi uma experiência negativa, estava formando uma escola do crime. Tanto que não há mais transferências. A solução são os presídios federais, onde os líderes ficam isolados", diz o delegado da Polícia Federal Orlando Rincon, um dos responsáveis pelas investigações da CPI do Tráfico de Armas.

O policial ressalta que, mesmo com o isolamento dos presos mais perigosos, será difícil combater os núcleos estaduais do PCC. "Em alguns Estados, eles estão consolidados. Será preciso identificar e prender os líderes locais. Eliminar a ação do PCC nos Estados será um trabalho de muito tempo."

Entre 1998 e 2002, os chefes do PCC passaram por pelo menos três Estados cada um. No depoimento secreto feito à CPI, no dia 10, o diretor do Departamento Estadual de Investigações sobre o Crime Organizado (Deic) paulista, Godofredo Bittencourt Filho, e o delegado Ruy Ferraz admitiram que os remanejamentos foram um erro. Depois de comentar a expansão do PCC, Ferraz reconheceu: "Está muito difícil desmontar essa estrutura." A gravação do depoimento, feito a portas fechadas, foi comprada por advogados do PCC e chegou às mãos dos líderes da facção.

O INÍCIO

A primeira grande transferência, de seis líderes, ocorreu em 5 de março de 1998, quando os criminosos foram levados para o Paraná, em uma operação cercada de sigilo. Lá, divididos em três presídios, disseminaram a cultura do PCC e estimularam a fundação do Primeiro Comando do Paraná (PCP). A transferência foi decidida depois da rebelião comandada pelo PCC na Casa de Detenção de Sorocaba, em dezembro de 1997, quando presos foram amarrados a botijões de gás. Um detento e um visitante morreram no motim.

A partir daí, os presos foram levados, em momentos diferentes, para Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Distrito Federal, Goiás, Bahia e Rio. Em alguns Estados, tiveram passagens rápidas, mas em outros, como Bahia, Rio Grande do Sul, Paraná e Mato Grosso, ficaram tempo suficiente para montar suas "representações" estaduais.

Segundo Rincon, o perfil de atuação das facções muda de acordo com as estratégias das polícias estaduais. Ele não revela, porém, os detalhes da investigação sobre as particularidades do PCC em cada Estado nem os nomes que a PF já tem dos líderes locais da facção. "Eles estão sempre em busca da maior rentabilidade com menor risco. Alguns grupos se dedicam a assalto a banco. Se a repressão aumenta, mudam para roubo de carga, tráfico, seqüestro. Depende da ação policial em cada local."

Em 1998, o PCC tinha cinco anos de existência e mostrava força nos presídios paulistas. Criada em 31 de agosto de 1993 por oito presos transferidos da capital para o Anexo da Casa de Detenção de Taubaté, a facção se apresentava como movimento de defesa dos direitos dos detentos, mas logo passou a atuar no comando de ações criminosas, ordenadas de dentro das cadeias para os comparsas que estavam em liberdade.

A fundação do PCC foi violenta: o grupo surgiu depois de uma briga que resultou na morte de dois desafetos dos fundadores, durante uma partida de futebol entre os presos de Taubaté. A facção disseminou-se primeiro com as transferências de detentos para presídios de São Paulo. Os que ganhavam liberdade ou fugiam passaram a consolidar a organização criminosa fora dos presídios e tinham a missão de arrecadar contribuições para os que estavam presos.

COMANDO VERMELHO

No Rio, a chegada do PCC ocorreu em 2001, quando os bandidos José Márcio Felício, o Geleião, e Cesar Augusto Roris Silva, o Cesinha, então chefes da facção criminosa, chegaram ao presídio de Bangu 1, na zona oeste da capital fluminense. A transferência da dupla ocorreu após uma rebelião simultânea em 29 presídios paulistas e provocou a morte de 15 pessoas, em fevereiro daquele ano. Mesmo de fora de São Paulo, Cesinha e Geleião foram apontados como mandantes da ação criminosa.

Em Bangu 1, os dois bandidos estreitaram ligações com o Comando Vermelho (CV), sem criar uma ramificação no Estado. Formou-se uma parceria que até hoje envolve a venda de crack no Rio.

Ocasionalmente, o CV vende armas ao PCC. A facção paulista também é aliada do traficante carioca Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, preso na Superintendência da PF em Brasília. A parceria inclui a assistência a bandidos procurados pela polícia e a parentes de criminosos presos.

"É certo que existe uma ligação entre as duas facções, tanto que o crack no Rio só se encontra nas favelas do Comando Vermelho. O PCC abria portas para o Comando Vermelho buscar (a droga em São Paulo)", explica o delegado Rodrigo Oliveira, atualmente na delegacia da Barra da Tijuca, zona oeste do Rio. O policial lembra que, há cinco anos, uma ação da Divisão Anti-Seqüestro, onde trabalhava, levou à prisão, em São Bernardo do Campo, de um traficante que "dava guarida a pessoas ligadas ao Beira-Mar". Em outra ocasião, a polícia do Rio apreendeu bananas de dinamite em gel e prendeu três homens do PCC.

A última prisão de integrantes da facção criminosa no Rio ocorreu no ano passado, quando três criminosos foram flagrados da Favela do Jacarezinho, zona norte, comandada pelo CV, tentando negociar a venda de fuzis. "Não temos elementos para dizer que é uma coisa sistemática", diz o delegado Carlos Oliveira, da Delegacia de Repressão a Armas e Explosivos.

Em Mato Grosso do Sul, o governo transferiu ontem para um presídio recém-inaugurado na cidade de Naviraí 56 presos ligados ao PCC que lideraram uma rebelião no dia 14 na Penitenciária de Segurança Máxima de Campo Grande. Outros 17 detentos acusados de seguir ordens do PCC já haviam sido transferidos na quarta e sexta-feiras de prisões em Dourados e Três Lagoas para Naviraí. Amanhã, 200 homens da Força Nacional de Segurança devem chegar ao Estado, para reforçar a segurança nas penitenciárias.

SIGILO

A Secretaria da Segurança paulista disse à reportagem que, no momento, mantém em sigilo as investigações sobre ações do PCC dentro e fora do Estado. A Secretaria de Administração Penitenciária informou que as transferências de presos do PCC para Estados como Paraná e Rio foram operações de emergência após rebeliões promovidas entre 1997 e 2001. Segundo a pasta, não há mais transferências de presos paulistas e São Paulo é que passou a receber criminosos de outros Estados.