Título: Nas cidades mais ricas, desperdício e corrupção
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/05/2006, Nacional, p. A4

Produto de distorções no sistema tributário brasileiro, a abundância de recursos em determinadas cidades está induzindo ao desperdício e, em vários casos, à corrupção. Segundo dados da Secretaria do Tesouro Nacional, 57% das prefeituras mais ricas do País, que se beneficiam da fórmula de repartição do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), são também as que mais gastam com salários de vereadores e outras despesas do Legislativo municipal.

É o caso de São Francisco do Conde (BA), que, beneficiado pela presença da Petrobrás, tem a quarta maior receita per capita do País (R$ 6.170,62) e o segundo maior gasto com vereadores (R$ 321,83 por habitante). Além da posição destacada nessa estatística, o município baiano já teve dois prefeitos cassados por irregularidades administrativas nos últimos anos.

Algo semelhante ocorre com o município de Triunfo, que já se tornou um caso folclórico no Rio Grande do Sul. A prefeitura, beneficiada pela presença de um grande pólo petroquímico na cidade, tem a sexta maior receita per capita de ICMS do Brasil e já registrou no passado um índice de 10% da população empregada em cargos públicos.

Dos cem municípios com maior receita per capita no Brasil, apenas dois gastam com sua Câmara menos do que a média brasileira - R$ 36,44 por habitante ao ano. Os demais gastam em média R$ 118,18 per capita. O maior gasto entre todos é verificado em Paulínia (SP), cidade que abriga uma das maiores refinarias da Petrobrás: a prefeitura gasta R$ 338,85 ao ano por habitante com salário e outras despesas dos vereadores.

Não por acaso, Paulínia também é o município com a maior receita disponível por habitante: R$ 9.322,40 em 2004. Essa riqueza é alimentada principalmente pelo ICMS transferido pelo Estado, que corresponde a 76% da arrecadação municipal. É graças a essa receita milionária que o município está enquadrado com folga no limite de gasto da Lei de Responsabilidade Fiscal. O Legislativo local custa 3,6% da receita, quando o teto é de 6%.

Em termos proporcionais a sua população, Paulínia tem uma receita nove vezes maior do que a da capital paulista. Com toda a arrecadação de Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU), Imposto sobre Serviços (ISS) e demais tributos, em 2004 a Prefeitura de São Paulo arrecadou R$ 1.192,69 por habitante, e seu gasto com a Câmara Municipal foi de apenas R$ 29,09 per capita ou 2,4% da receita.

A associação entre riqueza e desperdício se repete em vários outros Estados: no Rio de Janeiro, por exemplo, Quissamã se destaca com a segunda maior receita per capita do País (R$ 8.285,46) e a quarta maior despesa no Legislativo (R$ 278,25 por habitante). Novo Santo Antônio, em Mato Grosso, figura em terceiro lugar no ranking da despesa com vereadores (R$ 298,06) e em oitavo no da receita (R$ 4.708,30).

"Nesses casos, a abundância está induzindo o desperdício e gerando injustiças, porque o município rico está gastando mais do que precisa, e o vizinho não está recebendo nada", avalia o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski.

De acordo com ele, os dados sobre o mau uso da riqueza devem servir de alerta para que o governo federal corrija algumas distorções do sistema tributário. A Constituição prevê que 75% da fatia do ICMS que cabe aos municípios seja repartida entre eles de acordo com o peso econômico de cada um, mesmo quando esse peso é dado pela presença de refinarias de petróleo e hidrelétricas, que pouco têm a ver com uma atividade específica da população local. Na avaliação de Ziulkoski, essa sistemática acaba beneficiando desproporcionalmente alguns pequenos municípios em detrimento de outros.