Título: 'São Paulo precisa de um governo caipira'
Autor: Carlos Marchi, Mariana Caetano
Fonte: O Estado de São Paulo, 14/05/2006, Nacional, p. A10

Pré-candidato do PT ataca administrações tucanas e aposta em parceria com Lula para reforçar campanha

O PIB paulista cresceu menos que o dos outros Estados e São Paulo ficou em nono lugar nos exames do Enem: é assim, em ataque frontal a 12 anos de governo tucano, que o senador Aloizio Mercadante inicia sua trajetória de candidato a governador. E promete cuidar do esvaziamento econômico do interior. "São Paulo precisa de um governo caipira", diz.

Ele sabe que na campanha terá de gastar bons argumentos para defender o PT dos escândalos e sobraça uma ética cristã para explicar a impunidade dos petistas envolvidos: "A punição que companheiros nossos tiveram é brutal."

Ao bater de forma inclemente nos governos tucanos, Mercadante cumpre importante missão de sua candidatura: reverberar críticas ao ex-governador Geraldo Alckmin, rival do presidente Lula, cuja reeleição ele afirma ser prioridade nº 1 do PT. Ao mesmo tempo, propõe a seu adversário, o ex-prefeito José Serra, uma campanha civilizada, com muitos debates, nos quais a realidade e os números de São Paulo sejam discutidos. A entrevista:

O senhor é candidato por um partido abalado por escândalos, sai com 8% contra 50% e vai combater um governo aprovado por 65%. Como vencer?

As pesquisas ainda não expressam uma intenção de voto do eleitorado, porque 70% dos eleitores não têm candidato (a última pesquisa do Ibope mostrou 55% de indecisos na espontânea). A discussão sobre o que foi verdadeiramente o governo do PSDB vai permitir ao eleitorado uma percepção da inconsistência desses 12 anos. Não é preciso ir longe. Em 12 anos, o Estado cresceu abaixo da média nacional. De 1996 a 2003, a indústria paulista cresceu 18%, os outros Estados cresceram 67%. Os tucanos não souberam enfrentar a guerra fiscal, não criaram um instrumento de desenvolvimento regionalizado, não melhoraram as vantagens comparativas do Estado: 85% da receita é ICMS e, se São Paulo não crescer, o Estado não tem recurso para financiar investimento e políticas públicas em áreas essenciais.

Como Marta Suplicy durante a prévia, os tucanos também podem argumentar que o sr. quer abandonar o mandato na metade.

Quem vai fazer esse julgamento é o eleitorado. Eu não jurei, quando fui eleito para o Senado, não disputar outro cargo. Mesmo porque meu mandato é de 8 anos. A maioria dos senadores disputa outro cargo. Covas fez isso, FHC fez isso, o próprio Serra fez isso e nenhum deles foi questionado por sair do Congresso para tentar um cargo no Executivo. O que é inadmissível é ter sido eleito para uma cidade que tem tantos problemas e renunciar com um ano, deixando como sucessor um homem que jamais se elegeria prefeito.

Pelo visto, o senhor vai usar isso à exaustão na campanha.

Isso estará presente, com certeza. Por que ele tomou essa atitude? Se a qualidade do governo do PSDB é o que dizem, eles podiam lançar qualquer um. Não fizeram porque sabem da dificuldade de sustentar um debate qualificado sobre o que é o governo de São Paulo. Ou não temos hoje 187 mil veículos roubados por ano, 750 mil assaltos e furtos, uma epidemia de seqüestros relâmpago? Ou os 35 mil homens da Polícia Civil não têm o segundo pior salário do Brasil? Ou não há uma crise no sistema prisional? E um retumbante fracasso da Febem?

Mas esses problemas não seriam generalizados no País?

Eu quero fazer um debate não só para apontar problemas, mas também para mostrar soluções. Em relação à polícia, vou dar um exemplo que nós construímos no governo federal. A Polícia Federal tem 11 mil homens. Nos últimos três anos do governo Fernando Henrique, fez 20 operações e prendeu 54 pessoas; nos três primeiros anos do governo Lula, foram 183 operações e 2.971 presos. O que isso demonstra? Quando você valoriza o profissional e investe na inteligência policial, o resultado aparece. É possível fazer uma política de segurança muito mais eficiente. O governo do PT no Rio Grande do Sul acabou com a Febem, que tinha uma estrutura muito parecida com a nossa, e criou duas instituições - uma para trabalhar com o jovem recluso e outra para construir as parcerias da liberdade assistida. É o que precisamos fazer em São Paulo.

Seu carro-chefe na campanha será a educação?

Temos hoje, em São Paulo, uma situação gravíssima na educação. São Paulo ficou em 9º lugar no último exame do Enem. Aqui, 30% das crianças terminam a 1ª série do ensino fundamental sem saber ler e escrever. Precisamos olhar para a sala de aula e para a qualidade do ensino e, portanto, para o professor. Se não houver professores bem pagos, motivados, com um programa continuado de formação, não vamos ter o desempenho educacional de que o Estado precisa.

Sua intenção de voto no interior é bem menor. O senhor vai olhar para lá?

Dois aspectos me preocupam muito. Um é que o perfil da população de São Paulo está envelhecendo. Em 15 anos, aumentará a demanda por saúde e por um regime de previdência social e vai diminuir a demanda por vagas na educação. A outra é o vazio econômico fora da Grande São Paulo, da Grande Campinas e da Baixada Santista. Há um fluxo migratório contínuo do interior para essas regiões. Vamos precisar de um governo caipira, que olhe para o interior. Precisamos de uma política de desenvolvimento regional.

O senhor vai colar sua campanha na de Lula?

É muito difícil dissociar minha trajetória da de Lula. Temos uma profunda amizade e uma relação muito próxima. Hoje podemos mostrar o que fizemos nos três anos do governo Lula e mostrar que, juntos, poderemos fazer muito mais.

Sua prioridade é reeleger o Lula?

A prioridade nacional do partido é a reeleição de Lula. A disputa em São Paulo é muito importante, mas imagine reeleger Lula e vencer em São Paulo, trabalhar durante quatro anos em parceria!

Este é o lado bom. E o lado ruim?

O debate político está muito tensionado, monotemático, ainda que seja muito importante esse debate da ética na política e do combate à corrupção. Acho que tudo tem de ser investigado, mas nós precisamos discutir as políticas públicas e o futuro do Brasil, espero que a eleição permita esse debate qualificado, é o esforço que eu vou fazer na campanha.

Como o senhor vai explicar o mensalão ao eleitorado?

O povo acompanhou detalhadamente a crise e já fez seus juízos de valor. Essa é uma matéria que vem sendo exaustivamente explorada. A população sabe tudo o que aconteceu e vai fazer sua avaliação. É muito grave o que aconteceu, o homem público não pode ter compromisso com o erro. O que está errado, está errado. Com a nossa trajetória, não poderíamos ter errado nisso, mas a gente tem que aprender com o erro, corrigir e avançar para recuperar valores fundamentais que deram origem ao PT.

Como explicar que até hoje o PT só tenha punido Delúbio Soares, seu ex-tesoureiro?

A punição que companheiros nossos tiveram é brutal. Quem assistiu ao depoimento do Silvinho (Silvio Pereira, ex-secretário-geral do PT) pode sentir o que é a profundidade da angústia, da dor, do sofrimento das pessoas que passaram por isso. O povo vai avaliar caso a caso e tomar a decisão, porque todos os partidos praticamente tiveram pessoas envolvidas nesse processo, mas isso não serve de consolo. Não podia ter acontecido no PT.

Pesquisa feita pelo PT mostrou que 59% dos brasileiros acham que as providências tomadas pelo PT foram insuficientes. E aí?

É possível, mas as pesquisas mostram também que o PT continua sendo o partido com maior preferência popular. O partido sofreu muito com essa crise, espero que isso sirva de lição não apenas para o PT, mas para todos os partidos do Brasil. Nós só vamos superar esse processo mudando as regras eleitorais.

Por que o presidente Lula não avançou nisso?

Não é o governo que resolve isso, são os partidos. Na Câmara há muita dificuldade para mudar a Lei Eleitoral, porque os deputados resistem a mudar as regras que os elegeram. Essa é a reforma mais importante para o segundo governo.

O PT de São Paulo define o quercismo como força política "nascida e criada na corrupção". Como aliar-se a Quércia?

O PMDB foi muito importante para a governabilidade do governo Lula e no seu segundo mandato cumprirá um papel muito importante de governabilidade. Vamos construir um governo de coalizão. Temos de discutir em cima de um programa de governo e construir uma aliança em cima desse programa. É importante uma coalizão com o PMDB no governo federal e no estadual.