Título: Ajuste fiscal mais profundo ameaça gastos sociais
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 19/06/2006, Economia & Negócios, p. B3

O Brasil terá de limitar o crescimento dos gastos sociais, caso pretenda reduzir o ritmo de expansão das despesas correntes do setor público - a principal recomendação de boa parte dos economistas para que o País consiga consolidar um ciclo de crescimento sustentável.

Em recente estudo realizado pelos economistas Mansueto Almeida, Fabio Giambiagi e Samuel Pessôa, uma análise detalhada do crescimento das despesas primárias (excluem juros) do governo federal desde 1991 mostra que não é possível fazer um ajuste eficaz do gasto público apenas na base de maior controle das despesas ligadas ao funcionalismo e à máquina pública. Será preciso mexer nas despesas sociais - incluindo o impacto dos aumentos reais do salário mínimo na Previdência - que vêm contribuindo para reduzir a desigualdade e são um dos principais esteios da popularidade do presidente Lula.

"Estamos elevando a carga tributária para financiar sucessivos aumentos do salário mínimo acima da inflação, e para financiar esta rede de proteção social criada no governo FHC, e que o Lula manteve e expandiu", diz Pessôa.

Segundo o trabalho, o gasto primário do governo central pulou de 14% para 23% do PIB entre 1991 e 2005. Os gastos de pessoal saíram de 3,8% do PIB em 1991 para 5% nos anos 90, e foram de 4,8% em 2005. Este aumento de 1 ponto porcentual entre 1991 e 2005, porém, é explicado integralmente pelo crescimento da conta com inativos, que saiu de 0,9% do PIB em 1991 para o nível atual de pouco mais de 2%. Em outras palavras, as despesas com os funcionários da ativa, pelo menos até 2005, mantiveram-se estáveis em relação ao que eram 15 anos antes.

A maior parte do aumento do gasto primário de 9 pontos porcentuais do PIB entre 1991 e 2005 veio das transferências para Estados e municípios (1,7 ponto porcentual), benefícios do INSS (4,2 pontos porcentuais, saltando de 3,4% para 7,6% no período) e as chamadas "outras despesas de custeio e capital (OCC)", com 2% de incremento.

A análise consistiu, em boa parte, de dissecar a OCC, que equivale a programas de transferência de renda, gastos com educação e saúde e despesas com material de consumo do governo (viagens, xerox etc). Eles mostram que a principal causa de crescimento das OCC são os programas de transferência de renda, e não o custeio do governo.

Tomando como base dados do Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi)do governo federal, os economistas mostram que o gasto público não-financeiro do governo, excluindo investimentos e transferências para Estados e municípios, cresceu de 16,1% do PIB em 2001 para 17,7% em 2005. Neste período, o dispêndio do INSS e as "despesas correntes sociais" expandiram-se em 2 % do PIB, enquanto o conjunto dos demais gastos reduziam-se em 4% - o resultado é o salto de 1,6 % nas despesas correntes. As despesas correntes sociais, na definição dos economistas, correspondem aos programas sociais, como o Bolsa-Família, e programas dos ministérios da Educação e da Saúde.

O trabalho mostra também que as despesas discricionárias - consumo dos ministérios, passagens aéreas, serviços terceirizados, contratações temporárias etc. - caíram de 2,4% do PIB em 2001 para 2% em 2005. "Assim, ao que parece, essa conta não é o vilão do crescimento recente, tão criticado, dos gastos públicos", escrevem os economistas.

Os gastos sociais, por sua vez, passaram de 1,8% do PIB em 2001 para 2,7% em 2005, incremento de 0,9 ponto porcentual. Quase 80% deste aumento, ou 0,7 ponto porcentual do PIB, derivam de programas sociais, como Bolsa Família, Benefícios de Prestação Continuada (BPCs, benefícios mensais aos idosos e aos deficientes pobres), abono salarial e seguro-desemprego. Estes programas de transferência de renda saíram de 0,7% do PIB em 2001 para 1,4% em 2005, crescimento real de cerca de 20% ao ano.

O segundo vilão do crescimento dos gastos primários é a Previdência, que saiu de 8,7% do PIB em 2001 para 9,6% em 2005,alta de 0,9 %. Este crescimento veio do INSS, isto é, da Previdência que abrange o setor privado, e não dos inativos e pensionistas da União. As despesas do INSS saíram de 6,3% para 7,2% do PIB, respondendo por 1,1 % do PIB, e os gastos previdenciários da União caíram de 2,4% para 2,2% do PIB.