Título: 1 milhão desafiam Bachelet
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Fonte: O Estado de São Paulo, 06/06/2006, Internacional, p. A10

Greve de estudantes paralisa escolas e universidades no maior protesto desde o fim da ditadura, em 1990

Cerca de 1 milhão de pessoas participaram ontem no Chile de uma greve por mudanças no sistema educacional do país. A paralisação - a maior já convocada por estudantes chilenos desde o fim da ditadura,em 1990 - teve a participação de 600 mil estudantes do ensino médio, 300 mil universitários e contou com o apoio de professores e mais de uma centena de organizações sociais e sindicatos de funcionários públicos. A maioria das escolas públicas ficou fechada, além de 35 universidades.

Esta é a primeira crise doméstica enfrentada pela presidente Michelle Bachelet, menos de três meses após tomar posse prometendo um governo que promovesse maior participação dos cidadãos. Para a surpresa de muitos, o desafio não vem da direita, e sim de um grupo que, esperava-se, seria simpático a sua coalizão de centro-esquerda. Os estudantes de ensino médio (cerca de 947 mil) exigem mais professores, querem que as escolas municipais voltem para o controle do governo central, a ampliação das escolas, a eliminação das tarifas para o vestibular, além de passe de transporte grátis.

Com a alta dos preços do cobre (principal produto de exportação do país), que encheu os cofres públicos, os estudantes argumentam que o Estado pode investir mais em educação.

Bachelet ofereceu, quinta-feira, uma contra-proposta. As medidas incluíam bolsas para alunos carentes, uma reforma na lei de educação e uma verba adicional anual de US$ 135 milhões para os programas escolares. Parte dos estudantes, porém, considerou as propostas do governo insuficientes.

Bachelet disse ontem ser "desnecessária" a paralisação, já que o governo considera os pedidos dos estudantes "justos e legítimos". Ela prometeu enviar até hoje um projeto de reforma na Constituição, para "consagrar o direito de todo cidadão a uma educação de qualidade".

Apesar de os líderes da greve terem insistido que se tratava de uma jornada de "reflexão" sobre a crise educacional, o grupo de extrema esquerda Frente Patriótico Manuel Rodríguez convocou uma marcha na capital à tarde, que foi dispersada. Delinqüentes aproveitaram a aglomeração e saquearam lojas. Houve confrontos com a polícia, com saldo de 20 feridos. Cerca de 40 pessoas foram presas em várias partes do país e outras 262 em Santiago.

Pela manhã, cerca de mil pessoas reuniram-se na Avenida Bernardo O'Higgins, mas foram dispersadas pela polícia. Em Valparaíso, uma marcha pacífica teve a participação de 12 mil pessoas, entre elas trabalhadores portuários.

O movimento estudantil conta com amplo apoio popular. A simpatia aumentou na semana passada, depois que a polícia prendeu cerca de 700 manifestantes, espancou alguns deles - muitos usando uniforme escolar - e usou bombas de gás lacrimogêneo e jatos d'água. O chefe das forças especiais dos carabineiros (polícia militar) foi afastado e Bachelet condenou "os excessos, os abusos e a violência injustificada".

Mais de 700 mil adolescentes iniciaram os protestos em maio. Eles deixaram as salas de aula em escolas públicas, exigindo a reforma do sistema educacional, considerado por eles inferior e discriminatório.

Bachelet, uma pediatra de 54 anos sobrevivente da ditadura do general Augusto Pinochet, tomou posse em 11 de março como a primeira mulher a presidir o Chile e como um símbolo da reconciliação do país com seu passado. Ela fez campanha prometendo um governo mais tolerante e construtivo. Os estudantes - adolescentes que não vivenciaram a era Pinochet e sua repressão política - parecem ter acreditado nela.

Em sua última iniciativa antes de deixar a presidência em 1990, após quase 17 anos no poder, o general Pinochet emitiu um decreto reduzindo dramaticamente o papel do governo central na educação. A autoridade foi transferida para os municípios e a educação foi aberta para empresas privadas.

Desde o retorno à democracia, o financiamento da educação pública triplicou e a pobreza foi reduzida à metade. Mas as desigualdades persistem entre regiões e entre escolas públicas e privadas. Em média, segundo um estudo recente, as escolas particulares gastam por aluno cinco vezes mais que as escolas públicas mais pobres.