Título: Prisões privatizadas (1)
Autor: Celso Ming
Fonte: O Estado de São Paulo, 20/05/2006, Economia & Negócios, p. B2

O sistema penitenciário brasileiro falhou miseravelmente. As instituições criadas para garantir o cumprimento das penas e para proteger a sociedade estão desmoronando diante da ineficiência e da omissão do Estado, da escalada da corrupção e da enorme capacidade de organização demonstrada pelos bandidos. Não seria este o momento para adotar o sistema penitenciário privatizado, do qual supostamente se esperam mais eficiência e menos corrupção?

A experiência mundial, nos últimos 20 anos, mostra que a privatização das prisões vem produzindo mais problemas do que soluções e que seus resultados - apontam dois especialistas ouvidos por esta coluna - estão longe de ser a maravilha com que se contava.

A idéia apareceu nos anos 80, nos Estados Unidos, durante o governo Reagan. Pretendia livrar o setor público das despesas da construção de penitenciárias e imprimir ao setor carcerário técnicas de gestão empresarial que, por sua vez, garantissem a eficiência que o setor público tem sido incapaz de dar. De quebra, proporcionaria bons lucros para as empresas que tocassem o negócio.

Nos Estados Unidos, há cerca de 150 prisões de administração privatizada em 28 Estados. Mas a experiência estendeu-se à Inglaterra, Nova Zelândia, Austrália e África do Sul.

No Brasil, as primeiras experiências começaram em 1999. Funcionam prisões privatizadas no Paraná (Guarapuava, a 260 km de Curitiba) e no Ceará (Penitenciária Regional Industrial do Cariri, na periferia de Juazeiro do Norte). Cerca de metade dos 240 presos de Guarapuava ganha salário mínimo trabalhando na produção de sofás. Na prisão do Cariri, com 550 vagas para presos, operam quatro pequenas indústrias.

O professor Laurindo Dias Minhoto, do Departamento de Prática de Saúde Pública, da USP, é doutor em Filosofia e Teoria Geral do Direito e autor de estudo sobre o tema, editado pela Max Limonad: Privatização de Presídios e Criminalidade. Ele concluiu que os resultados são ruins e que não há futuro na ampliação do sistema.

A administração privada das prisões americanas - observa Minhoto - não cobre mais do que 7% da população carcerária e se restringe a presos de baixa periculosidade. Multiplicam-se por lá as queixas dos sindicatos de que grande parte dessas prisões privatizadas funciona para proporcionar mão-de-obra cativa barata, que concorre deslealmente com os trabalhadores em liberdade.

Um dos argumentos dos que defendem a privatização é o de que o sistema funciona com "agentes de disciplina", contratados pelas leis trabalhistas, que substituem os "agentes penitenciários", servidores públicos estáveis. Por serem demissíveis a qualquer momento, seriam menos sujeitos a aliciamento pelos presos.

Mas Minhoto adverte que a administração privatizada não ganhou nem em redução de custos nem em eficiência. Lá subsistem os mesmos problemas do sistema convencional, como superpopulação carcerária, violência endêmica a que são submetidos os presos e corrupção de todos os calibres.

Mas há outras e talvez ainda mais graves distorções. (Segue amanhã.)