Título: Bondade para o sonegador
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Fonte: O Estado de São Paulo, 16/06/2006, Notas e Informações, p. A3

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu dar mais um prêmio ao sonegador de impostos e mais um diploma de tolo ao bom contribuinte. Ele vetou a reabertura do Programa de Recuperação Fiscal (Refis), acrescentada pelo deputado Luiz Carlos Hauly na Medida Provisória 280. A MP, agora convertida em lei, havia sido editada originalmente para reajustar a tabela do Imposto de Renda cobrado na fonte. Mas o veto valeu exclusivamente como encenação. Atendendo a recomendações de políticos da base aliada, o presidente concederá novo parcelamento dos débitos fiscais e com isso alongará a série já considerável de bondades eleitoreiras.

O benefício aos devedores do Fisco dependerá de nova MP. Segundo o ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Tarso Genro, as condições serão definidas pelo presidente da República e pelo ministro da Fazenda. De acordo com fontes da Casa Civil, o programa será moldado segundo os critérios do Parcelamento Especial (Paes), instituído em maio de 2003.

O Paes é menos generoso que o Refis, criado em abril de 2000. Este permitia um refinanciamento por prazo indefinido, pois os pagamentos eram fixados como frações - entre 0,3% e 1,5% - do faturamento da empresa. Mas o Paes é igualmente sujeito a fraudes e, além disso, já concede aos devedores um prêmio escandaloso, ao permitir o parcelamento em até 180 meses.

Os dois programas serviram principalmente para dar fôlego a maus contribuintes. A maior parte dos inscritos deixou de realizar os pagamentos previstos no acordo. Só um quinto das 117.234 empresas inscritas no Refis, em 2000, ainda paga as prestações. O abandono também foi grande no caso do Paes. O esquema atraiu 282.508 empresas e 90.180 pessoas físicas. Continuam no programa 47% das primeiras e 33% das segundas.

Parte dos beneficiários simplesmente deixou de pagar as parcelas, depois de ter conseguido o alívio da pressão do Fisco. Outra parte recorreu à fraude. No caso do Refis, era possível diminuir os pagamentos por meio da divisão da empresa. Com menor faturamento registrado, era possível diminuir sensivelmente o valor das parcelas. A divisão da empresa devedora também funcionou no caso do Paes. Uma das novas empresas ficava com a dívida, ou com a maior parte dela, enquanto a outra ganhava condições mais favoráveis para operar. O risco ficava todo para o Fisco.

Os procuradores fizeram pressão contra a reabertura do Refis e conseguiram uma vitória apenas aparente. Com o veto presidencial a dois artigos da lei originária da MP 280, ficam impedidas, em princípio, novas inscrições naquele programa. Alguém poderia propor a derrubada do veto, no Congresso. Mas essa manobra será desnecessária, se o Executivo relançar o Paes ou criar por MP um esquema semelhante.

Há no Brasil uma instrutiva experiência de anistias tributárias e de esquemas especiais para recuperação de impostos devidos. Iniciativas como essas podem funcionar em condições muito excepcionais. Podem reduzir custos de administração fiscal, quando envolvem perdão de pequenos débitos. Podem, além disso, beneficiar a economia, facilitando a recuperação de devedores dispostos a emendar-se e a normalizar sua situação fiscal.

Anistias e refinanciamentos podem ser desastrosos, no entanto, quando se tornam rotineiros. Estimulam a malandragem, pois diminuem o risco associado à sonegação e ao desleixo no cumprimento das obrigações tributárias. Além disso, criam condições injustas de concorrência, deixando em desvantagem os bons contribuintes. Quem paga regularmente os tributos enfrenta, na rotina comercial, fortes pressões para vender sem nota. Quando resistem, podem perder o cliente, porque vários de seus competidores têm menos escrúpulos em relação aos pagamentos devidos ao Tesouro e à Previdência.

Dirigentes de entidades empresariais parecem haver esquecido esse problema, quando reivindicaram, nos últimos meses, a reabertura do Refis. Estariam mais preocupados com os sonegadores do que com os bons contribuintes?