Título: Não é hora de bravatas
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 15/06/2006, Notas e Informações, p. A3

O governo brasileiro deveria levar a sério os sinais de turbulência no mercado internacional. Até agora, só os dirigentes do Banco Central (BC) têm mostrado alguma preocupação diante das oscilações das bolsas mais importantes e da fuga de capitais no rumo da segurança, representada principalmente pelos papéis do Tesouro americano. Se a instabilidade global se agravar, a proteção da economia brasileira ficará na dependência exclusiva do BC e, portanto, de sua política de juros? Aparentemente, sim, porque o Executivo continua a gastar e a administrar suas contas como se a prosperidade mundial e o dinheiro barato durassem para sempre.

A maior parte das autoridades federais continua a ostentar uma quase indiferença diante do novo cenário. Mas há uma distância abissal entre a condução serena da política econômica, especialmente valiosa nos momentos de perigo, e a repetição de bravatas pelo chefe de governo e por seus auxiliares. E bravatas têm sido o principal componente das falas oficiais.

O Brasil, ninguém contesta, vem-se tornando menos vulnerável a choques externos. A situação do balanço de pagamentos é muito melhor do que há alguns anos. Mas o País não se tornou imune a riscos, até porque a segurança econômica e financeira depende, em grande parte, da confiança na moeda e nas políticas do governo. Essa confiança está longe do grau desejável, como demonstram as oscilações do risco Brasil, do câmbio e dos principais indicadores do mercado financeiro interno.

Os perigos para a economia mundial são hoje mais sensíveis do que eram há pouco tempo, disse na terça-feira, mais uma vez, o diretor-gerente do FMI, Rodrigo de Rato. Ele mantém a previsão de um crescimento global de 5% para este ano, mas a história do mundo não deve terminar em dezembro de 2006. Os investidores e operadores dos vários mercados continuarão a avaliar as perspectivas e a tomar decisões motivadas, em grande parte, pelo temor.

Já é perceptível, em toda parte, um aumento da aversão ao risco. Rodrigo de Rato realçou esse dado em sua análise de ontem, mas não foi o primeiro a fazê-lo. O relatório trimestral do Banco de Compensações Internacionais (BIS) também destacou a mudança de humor nos mercados.

Cresceu a inquietação nos mercados, na terça-feira, depois da divulgação dos indicadores americanos de vendas no varejo e preços ao produtor (PPI). O núcleo do PPI aumentou 0,3% em maio. Em abril havia crescido 0,1%. O comércio varejista vendeu 0,1% mais que no mês anterior. A previsão era zero. Nenhum dos dois números prenuncia um desastre. Mas nenhum contribuiu, segundo os analistas, para diminuir a tensão latente há algumas semanas. No dia seguinte as bolsas absorveram com maior tranqüilidade a divulgação do índice de preços ao consumidor dos EUA, mas os juros continuaram a subir no mercado americano. Tudo parece confirmar, por enquanto, um novo aumento dos juros básicos americanos - desta vez, para 5,25%. A alta de juros no mundo rico cria condições para esfriamento da economia mundial. É difícil avaliar, agora, a extensão das mudanças nos vários mercados, mas é fácil especular sobre alguns pontos.

O dinheiro será menos farto para os emergentes - e essa tendência já se vem manifestando. O comércio deverá perder dinamismo. Os preços dos produtos básicos, importantes para as economias em desenvolvimento, tenderão a ceder.

Estamos falando do que, por enquanto, são meras hipóteses. Mas a experiência aconselha os governos a considerar seriamente hipóteses como essas. Mesmo em condições de prosperidade internacional, a gastança pública brasileira seria insustável por muito mais tempo. O governo federal, já advertiram muitos analistas, está preparando uma situação complicada para quem administrar o Brasil a partir de 2007.

Mantida essa tendência, só restará o instrumental monetário para atenuar os efeitos de um choque externo. A correção cambial, bem-vinda noutras circunstâncias, poderá produzir um perigoso impacto inflacionário, se a insegurança fiscal for muito acentuada.