Título: 'Primeiro-ministro não aprovou captura do soldado'
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Fonte: O Estado de São Paulo, 01/07/2006, Internacional, p. A13

A posse do grupo radical islâmico Hamas no governo palestino, em março, fez vir à tona as contradições entre sua plataforma política e a realidade do ato de administrar um território. Enquanto o primeiro-ministro Ismail Haniye tenta apresentar uma fachada mais moderada para reverter o boicote internacional ao governo, a ala militar do Hamas participa da captura de um soldado israelense. Nesta entrevista ao Estado, o secretário de governo, Mohammed Awad, insiste que o governo nada tem a ver com o seqüestro de Shalit.

Como estão as negociações sobre o soldado israelense? O governo não está envolvido na negociação. Mediadores egípcios tratam diretamente com a ala militar do Hamas e os outros grupos da resistência que capturaram o soldado.

A ala política do Hamas, que está no governo, não tem influência sobre a ala militar? O governo é de todos os palestinos, não só do Hamas. Alguns são acadêmicos, independentes. A mentalidade deles não é a mesma da ala militar do Hamas. Eu não sou do Hamas. Sou vice-presidente e professor na Universidade Islâmica de Gaza. (O primeiro-ministro) Ismail Haniye deixou seu posto no Hamas quando entrou no governo. Ele tem tentado obter a libertação do soldado. Mas é complicado. Cada grupo da resistência tem a própria posição. Além do mais, Haniye não pode nem se movimentar em Gaza porque Israel está bombardeando.

Os palestinos elegeram um único Hamas para o governo. É estranho que uma ala militar tome decisões próprias. O primeiro-ministro não parece ter aprovado a captura. Claro que não. Ele não ficou satisfeito. Essas pessoas (os grupos que estão com o soldado) não estão consultando o governo e os outros partidos políticos. E Israel só complica a situação. Bombardeios israelenses recentes mataram 15 civis. Mataram uma família inteira numa praia de Gaza. Agora Israel capturou 8 ministros e 21 deputados palestinos.

Por outro lado, militantes palestinos lançaram mais de cem foguetes contra Israel em um mês. O governo palestino está tentando resolver isso, negociando com os grupos. Mas toda vez que o diálogo começa Israel complica a situação, matando crianças. Todo dia há uma matança. Alguns dias atrás Haniye se reuniu com (o presidente palestino, Mahmud) Abbas para negociações.

Abbas e Haniye chegaram segunda-feira a um acordo sobre um plano que prevê a criação do Estado palestino nos territórios ocupados por Israel em 1967 (Cisjordânia, Faixa de Gaza e Jerusalém Oriental). Esse acordo foi interpretado como a aceitação implícita do Estado de Israel. Mas um deputado do Hamas disse que o grupo nunca reconhecerá Israel. Essa é a posição do governo? O governo anterior negociou por dez anos com Israel e o que conseguiu? Um Estado? Nossas terras? Há um acordo feito anos atrás para libertação de prisioneiros palestinos que não foi cumprido. Há quase 10 mil palestinos presos em Israel. Antes de qualquer negociação, Israel tem de dizer o que ganharemos com ela.

Mas se o Hamas diz que nunca aceitará Israel, como dialogar? E se o sr. fala em negociar, está admitindo a existência de Israel. A aceitação de Israel é um ponto para negociação. Antes de perguntarem nossa posição, perguntem aos israelenses. Como podemos confiar neles? São 58 anos de ocupação.