Título: 'Economia brasileira pode crescer 5%'
Autor: Fernando Dantas
Fonte: O Estado de São Paulo, 09/07/2006, Economia & Negócios, p. B3

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, deixou uma marca da sua visão desenvolvimentista no Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), antes de sair para assumir o atual cargo. Mantega montou na instituição de fomento um grupo para pensar a economia brasileira no longo prazo, do ponto de vista estrutural, escapando da ênfase no curto prazo e em variáveis como juros e câmbio, tão típicas da época atual. À frente dessa equipe de pouco menos de 15 economistas, que agora forma a nova Secretaria de Assuntos Econômicos (SAE) do BNDES, está Ernani Torres, 30 anos de BNDES, doutor em Economia e professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

"A idéia foi recuperar a análise estrutural e usar o conhecimento técnico do banco para tentar criar uma visão de mais longo prazo da economia brasileira", disse Torres, em entrevista ao Estado. Ele explicou que um dos objetivos da SAE, diretamente ligada à presidência do BNDES, é utilizar a imensa massa de informações do banco sobre as indústrias e as empresas da economia real para tentar determinar a direção e a intensidade dos investimentos no Brasil.

O economista está otimista com o que viu até agora: "As perspectivas indicam que o investimento está acelerando e tende a acelerar ainda mais". Torres acha que a economia brasileira pode crescer a um ritmo "próximo de 5%" no médio prazo. Ele detecta sinais positivos vindos do setor externo, do crédito e do emprego.

E são exatamente esses temas os primeiros a serem abordados pelo informativo Visão do Desenvolvimento, que a SAE vem divulgando semanalmente. O primeiro boletim procurou se contrapor à idéia de que o grande salto exportador do Brasil nos últimos anos foi apenas uma reação ao aumento da demanda externa. "Nos incomodava um pouco a percepção de que o Brasil tinha sido passivo", diz Torres. O trabalho mostra que, do aumento de US$ 63 bilhões (de US$ 55 bilhões para US$ 118 bilhões) das exportações brasileiras entre 2000 e 2005, metade deve-se ao crescimento do comércio global e metade ao que o boletim qualifica como "a elevada capacidade de resposta das empresas brasileiras ao aumento da demanda mundial".

No segundo boletim, recém-divulgado, a SAE mostra que em maio de 2006 o crédito do setor privado no Brasil atingiu 31% do PIB, o maior nível desde 1995. E, se for excluído o crédito habitacional - no qual um volume grande de operações inadimplentes foi cancelado em 2001, distorcendo as estatísticas -, o crédito do setor privado em 2006 já está no maior nível desde, pelo menos, 1988. A seguir, a entrevista:

Como surgiu a SAE?

O pai dessa secretaria é o atual ministro Guido Mantega, e as primeiras conversas foram um pouco antes do Carnaval. O debate econômico brasileiro nos últimos anos ficou limitado à discussão das variáveis macroeconômicas. Não é um desmerecimento em relação ao debate atual, mas a idéia é trazer à tona temas aos quais talvez não esteja sendo dada a devida atenção, recuperando a questão estrutural (mais baseada no setor produtivo), para criar uma visão de mais longo prazo da economia.

Como será feito este trabalho?

Não é um grupo muito grande, não chegamos a 15 pessoas, economistas de diversas escolas, principalmente da UFRJ e PUC-Rio, com mestrado ou doutorado, e predominância de jovens. O BNDES tem entrada em todos os setores da economia. Dependendo do andar que você ande, mineração está de um lado, bens de capital do outro. Temos visão diversificada dos setores e dos atores, o que torna possível avaliar para onde está indo o investimento. Não é um trabalho de pesquisa ou de econometria. As pessoas aqui estão lidando com as empresas o tempo todo, têm conhecimento setorial, o que permite formar uma percepção, um radar sobre aonde está indo esta coisa chamada investimento.

E por que a ênfase na visão estrutural?

Eu falo até como professor de Economia. Quando discutíamos a economia brasileira nos anos 80, havia sempre duas questões: a estrutura e a conjuntura. Debatíamos taxa de câmbio, inflação, etc. Mas também se discutia sobre os setores da economia, a sua participação global, para onde eles caminhavam - o que se chamava estrutura. E o banco era muito ativo nesse debate nos anos 50, 60 e 70, por causa da natureza da instituição. A idéia do nosso informativo, o Visão do Desenvolvimento, é resgatar a discussão sobre como a estrutura está se comportando, o que ela tem de bom e de ruim, de mérito e demérito, o que requer e o que não requer esforço. E também mostrar o ambiente no qual o investimento está acontecendo.

E qual a visão que o grupo tem das perspectivas da economia e do investimento?

Existe uma perspectiva mais otimista. O Brasil, nos anos 80 e 90, atravessou sucessivas crises. Agora, à medida que a estabilidade se prolonga, há uma melhora no ambiente para o crescimento e o investimento. O Chile é um exemplo muito claro desse processo. Estamos otimistas, em primeiro lugar, porque a principal restrição, a externa, está domada, o mesmo ocorrendo com a inflação. E o radar BNDES indica que o investimento está acelerando e tende a acelerar ainda mais. Há, ainda, vários fatores positivos no ambiente, como a capacidade de resposta do setor exportador, o aumento do crédito e a geração de emprego.

Quais são as conclusões sobre o emprego?

Nosso próximo informe vai mostrar que a geração de emprego mudou recentemente, com um nível muito relevante do crescimento do emprego formal, industrial e nas metrópoles.

E o investimento, para onde está indo

Nós fizemos um levantamento aqui no banco do horizonte de financiamento para os próximos quatro anos. Ainda é impressionista, mas vemos um bicho que antes rastejava e agora tem quatro patas e anda. Há a Petrobrás, setores como mineração e celulose, mas também aparecem surpresas na indústria de transformação, que não posso adiantar ainda porque ainda estamos confirmando os dados.

E qual o papel do BNDES e do governo nesse processo de retomada do crescimento e do investimento?

Há um papel importante que o Estado deve cumprir nesse processo, que não é o mesmo de anos atrás. Eu acho que o Estado tem um papel de coordenação, de visão sobre o futuro, como fazem os asiáticos. É possível orientar os investimentos do BNDES de uma maneira um pouco mais voltada para certas prioridades, para certas apostas estratégicas.