Título: A festa de Castro e Chávez
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Fonte: O Estado de São Paulo, 22/07/2006, Notas e Informações, p. A3

O ditador cubano Fidel Castro falou pouco, para seus padrões, mas seu discurso durou 42 minutos, o triplo do tempo gasto pelos outros presidentes, na sexta-feira, quando discursaram na 30ª Reunião de Cúpula do Mercosul, na cidade argentina de Córdoba. Apesar da inesperada concisão, Castro conseguiu transmitir seu recado: "A integração latino-americana tem inimigos há séculos. Eles não ficam felizes quando vêem uma reunião como esta", avisou, acrescentando um detalhe tranqüilizador: "Esse foi um dos motivos pelos quais eu vim aqui."

O Mercosul está "mais pujante do que nunca", segundo Castro. No dia anterior, o companheiro Hugo Chávez também havia sido eloqüente. "A partir de Córdoba, o Mercosul será outro", assegurou o presidente da Venezuela, recém-admitida como quinto país do bloco. "Estamos entrando em nova etapa - é como um relançamento."

Antes de anunciar o renascimento do Mercosul, agora fortalecido por sua presença e por um acordo comercial com Cuba, Chávez cumpriu a rotina de falar mal, numa entrevista, do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush. Reiterou sua luta contra o imperialismo e aconselhou Bush a não falar com a boca cheia de comida.

Nesse ambiente, nada mais compreensível que o otimismo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que assumiu por seis meses a presidência do bloco, recebendo o posto do colega argentino Néstor Kirchner. "O Mercosul vai agora da Terra do Fogo ao Caribe e confirma sua vocação natural para acolher novos parceiros da região e construir associações mais ambiciosas", disse Lula. Na quinta-feira ele havia dito que o Mercosul "é como coração de mãe, cabe sempre mais um"...

Ambiciosos, pelos padrões do Mercosul, são os pactos comerciais com Cuba e com o Paquistão, formalizados em Córdoba. Lula mencionou também as "boas perspectivas" de acordos com a Índia, o Conselho de Cooperação do Golfo e a União Aduaneira da África Austral.

Não mencionou as negociações com a União Européia, empacadas há dois anos. Também estão emperradas as discussões sobre a Área de Livre Comércio das Américas (Alca). Como Chávez se opõe a esse projeto, é duvidoso que a Alca volte brevemente à agenda do bloco.

Mas nem todos aceitam essa limitação e também isso contribui para esfacelar o Mercosul. Em Córdoba, o presidente do Uruguai, Tabaré Vázquez, pediu oficialmente, pela primeira vez, autorização para buscar um acordo de livre comércio com os Estados Unidos. O governo do Paraguai, também decepcionado com o Mercosul, já demonstrou interesse em negociar com os americanos.

O governo brasileiro discorda e promete maior atenção aos sócios menores do bloco, para impulsionar seu desenvolvimento. Mas promessas desse tipo não são, em princípio, suficientes para compensar as limitações comerciais do Mercosul, já descrito pelo presidente uruguaio, há meses, como uma gaiola. Essa gaiola, com certeza, não é de ouro.

Há pelo menos uma proposta para a nova política de desenvolvimento do bloco, lançada pelos presidentes Kirchner e Chávez. Eles defendem a criação de um Banco do Sul para financiar o desenvolvimento da região e - segundo os mais entusiastas - para torná-la menos dependente de organismos como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional.

Não há mistério quanto à origem da proposta. Chávez tem sido o grande financiador externo do Tesouro argentino, comprando títulos que não são aceitos no mercado internacional. A idéia do banco é obviamente perigosa. Pode ser mais um atoleiro para países que têm problemas fiscais e padecem de escassez de poupança.

É especialmente perigosa para o Brasil, que já é o principal contribuinte de um fundo regional de desenvolvimento. Mas é uma ótima idéia, politicamente, para o presidente venezuelano, que usa os petrodólares de seu país para conquistar influência regional.

O quadro se completa com os vários conflitos da região. Continuam sem solução as pendências entre uruguaios e argentinos em torno do projeto de duas fábricas de celulose no Rio Uruguai e entre Brasil e Bolívia por causa do gás. Todos esses problemas estarão na pauta do novo presidente do bloco, o brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva. Felizmente, ele poderá recorrer não só à ajuda de Chávez, como aos conselhos de Fidel Castro.