Título: Um relatório incoerente
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/06/2006, Notas e Informações, p. A3

O que ressalta no parecer final da CPI dos Bingos, apresentado quinta-feira por seu relator, senador Garibaldi Alves (PMDB-RN), é que sua abrangência não corresponde à sua coerência. A Comissão, antes de mais nada, teve o mérito de estimular investigações sobre um grande número de setores - não tratados em outras CPIs - a ponto de ser chamada de "CPI do fim do mundo". Durante seus trabalhos foi a que apresentou a maior contundência oposicionista - e, como não poderia deixar de ser, a que mais incomodou o governo. Não se diga que foram poucos os 83 pedidos de indiciamento do relatório - atingindo 79 pessoas físicas e 4 empresas. No entanto, certas omissões clamorosas que pouparam pessoas cujos indícios de culpa se tornaram veementes pelos próprios dados apresentados em seu texto não apenas desqualificam suas conclusões, como até justificam a suspeita de submissão a pressões.

O ex-ministro José Dirceu e o chefe de gabinete da Presidência da República, Gilberto Carvalho, inicialmente constavam da relação de nomes para indiciamento recebida pelos senadores na quarta-feira. A menção a esses nomes era uma decorrência natural de tudo o que fora apurado nos trabalhos da CPI, a respeito do esquema de corrupção e de extorsão de empresas prestadoras de serviços à prefeitura de Santo André, com o objetivo de arrecadar fundos para o Partido dos Trabalhadores - o que, por todos os indícios, se ligava ao seqüestro e assassinato do prefeito petista Celso Daniel, em janeiro de 2002. O relatório entrou nos pormenores do caso, referindo-se, entre outros importantes tópicos, às consistentes acusações dos irmãos de Celso Daniel sobre a movimentação de recursos ilegais em favor do partido - que implicavam, diretamente, tanto o ex-ministro-chefe da Casa Civil como o chefe do gabinete presidencial. Estranhamente, porém, José Dirceu e Gilberto Carvalho foram excluídos da lista de indiciamento - sobre o que deixou clara sua discordância o próprio presidente da CPI, senador Efraim Morais (PFL-PB).

O mais estranho é que o relator ignorou os depoimentos dos dois irmãos de Celso Daniel - João Francisco e Bruno - apenas na parte que atingem Dirceu e Carvalho, deixando os demais por eles citados na lista de indiciados. Garibaldi negou ter sofrido pressão do governo para mudar seu parecer, afirmando: "Eu posso até ter errado, até ter cometido um equívoco, mas esse equívoco foi cometido pela minha inteligência, minha consciência, não foi cometido por pressão de ninguém." Só faltou o senador explicar como esse repentino "equívoco de consciência" surgiu da noite para o dia, demolindo o que, em seu trabalho, revelava perfeita coerência.

Sem dúvida o relatório pediu o indiciamento de pessoas notórias, como o ex- ministro Antonio Palocci e os demais participantes da "República de Ribeirão Preto", Waldomiro Diniz e outros relacionados ao escândalo dos bingos (como Carlinhos Cachoeira), alguns envolvidos no caso Celso Daniel (como o Sombra, Klinger e Renan), etc. Por justiça, não se culpe o relator nem a direção dessa CPI pelo volume colossal de mentiras que caracterizaram muitos dos depoimentos nela prestados - pelo fato de muitos depoentes estarem protegidos de prisão por falsidade, com liminares obtidas junto ao STF. Infelizmente, também, o Supremo foi ágil em proibir a investigação de dados decorrentes da quebra do sigilo bancário, fiscal e telefônico de Paulo Okamotto (o presidente do Sebrae que, no relatório, aparece como pagador de dívida do presidente Lula e acusado de lavagem de dinheiro e crime contra a ordem tributária), do empresário Roberto Carlos Kurzweil (ligado a Palocci) e da juíza federal Maísa Giudice, acusada por dirigentes da Caixa Econômica Federal de dar liminares suspeitas em favor da Gtech.

Tudo leva a crer que esse relatório não será aprovado como está, pois sofre objeções tanto da ala governista - que pretende aprovar voto em separado do senador Magno Malta, excluindo tudo o que não se refira a bingo (para o que já conta com maioria, graças à adesão do PTB, que mudou de ala) - quanto da oposição, que também apresentará voto em separado, do senador Álvaro Dias (PSDB-PR). E tanto senadores governistas quanto oposicionistas, da CPI, repudiam a proposta do relator, em favor da regulamentação dos jogos de azar. Na verdade, apesar do nome, os bingos não se tornaram o tema menos importante da CPI do fim do mundo?