Título: Inflação e eleição
Autor:
Fonte: O Estado de São Paulo, 10/06/2006, Notas e Informações, p. A3

Criticado por muito tempo por membros do governo e por empresários, fato que chegou a colocar em risco sua permanência no cargo, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, é um dos principais responsáveis pela cômoda posição que o candidato à reeleição Luiz Inácio Lula da Silva ocupa nas pesquisas. O aperto monetário no segundo semestre de 2004 teve conseqüências negativas sobre a atividade econômica, mas produz frutos eleitorais que Lula colhe com alegria que não disfarça.

Quando começou a elevar a taxa Selic - o que fez de maneira metódica até ela alcançar o nível em que a manteria por meses, sob críticas do setor produtivo -, o BC estava com a atenção concentrada no Índice Geral de Preços do Mercado (IGPM) e no Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI). São índices utilizados na correção de tarifas de importantes serviços públicos, como energia elétrica e telefonia. A correção dessas tarifas, por sua vez, afeta o comportamento dos índices de preços ao consumidor, que medem a inflação sentida pelos cidadãos comuns. Os IGPs são fortemente influenciados pelos preços no atacado, os quais respondem por 60% de sua composição. Estes preços, por sua vez, são diretamente afetados pelas cotações internacionais de alguns produtos e pela taxa de câmbio.

No segundo semestre de 2004, todos os índices de preços apresentaram altas superiores às observadas no primeiro. Mas, enquanto a variação acumulada em 12 meses do IGP-DI se manteve sempre acima de 11%, a dos demais índices oscilava em torno de 6% e 7%. Com a correção das tarifas pelos IGPs, era inevitável uma forte pressão nos meses seguintes sobre os índices de preços ao consumidor.

Foi nesse período que o Comitê de Política Monetária (Copom) iniciou o aperto monetário. De 16% ao ano em agosto de 2004, a taxa Selic foi sendo sistematicamente elevada nos meses seguintes, até alcançar 19,75% em março de 2005. Manteve-se nesse nível até setembro último, quando finalmente começou o alívio da política monetária.

No combate às pressões dos preços no atacado sobre a inflação, os resultados da combinação da valorização do real com o aperto monetário são evidentes. Em maio, a variação acumulada em 12 meses dos preços no atacado captados pela FGV era negativa, de -1,73%. Como conseqüência, o IGP-DI igualmente registrou variação negativa, de -0,14%, no período de 12 meses encerrado em maio. Sem a pressão das tarifas, os demais índices também apresentam variação muito baixa nos últimos meses. No acumulado de 12 meses até maio, o Índice de Preços ao Consumidor Amplo, que baliza a política de metas inflacionárias, registrou alta de 4,23%. Pela primeira vez desde 2000, o resultado foi melhor do que a meta fixada pelo BC, de 4,5% em 2006.

Com inflação tão baixa, não chega a surpreender a notícia, publicada quarta-feira no Estado, de que nas negociações para o reajuste dos aluguéis está prevalecendo a lei da oferta e da procura, não mais os indexadores de preços. É cedo, ainda, para afirmar que os agentes econômicos - compradores ou vendedores de bens, usuários ou prestadores de serviços, assalariados ou empregadores - abandonaram a proteção que a indexação lhes ofereceu durante tanto tempo, mas o que a reportagem mostrou é que a correção automática de preços está caindo em desuso. E, legalmente, a indexação continua a existir para um certo grupo de preços.

Do ponto de vista político, o efeito mais importante da queda da inflação é a vantagem do presidente-candidato nas pesquisas eleitorais. Quanto aos efeitos sociais, o mais importante é a preservação da renda dos menos favorecidos. Com a moeda estável, pequenas correções no valor do rendimento resultam em ganhos reais que inexistiam nos tempos da inflação alta.

São esses efeitos eleitorais que explicam a atitude de Lula de preservar o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, das pressões de outros membros do governo, a começar pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. Lula sabe que Meirelles é seu melhor cabo eleitoral.