Título: Cenas de filme de Spielberg
Autor: Isabel Sobral
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/06/2006, Economia & Negócios, p. B1

Todo dia a cena tem se repetido nos aeroportos brasileiros - vôos da Varig são cancelados com os transtornos que você pode imaginar para a vida dos passageiros. A situação ameaça complicar-se a nível internacional - existem milhares de brasileiros torcendo pelo Brasil na Alemanha, com tíquetes da Varig na mala, e que vão querer voltar ao Brasil após (espera-se!) a conquista do hexa.

Dormir nos aeroportos, intermináveis horas de espera, gente escovando os dentes, fazendo a barba no banheiro, tudo isso está se banalizando. A expectativa é que, para ninguém, a situação atinja o absurdo daquela que foi criada por Steven Spielberg em um de seus melhores filmes.

Você viu O Terminal, com Tom Hanks. A história era outra, mas não custa recordar (e cruzar os dedos, esperando que não se repita e menos ainda para os passageiros da Varig). O personagem interpretado por Hanks, um russo emigrado para os EUA, fica preso no aeroporto por causa da burocracia. Entre o momento do embarque em seu país e o desembarque na América, a pátria do infeliz foi varrida por um movimento qualquer, que Washington não reconhece.

Como cidadão de lugar nenhum, com seu passaporte invalidado, Hanks não pode receber o visto de entrada. Passa a viver no aeroporto, sistematicamente humilhado pelo oficial responsável pela segurança.

O filme de Spielberg é sobre a paranóia americana pós-11 de Setembro. O personagem de Stanley Tucci é uma caricatura de George W. Bush. Aquele não é o espírito da América, diz Spielberg. A verdadeira América, historicamente aberta e construída pelos imigrantes, fundamenta-se na compaixão e na solidariedade.

Spielberg baseou-se numa história real, ocorrida não nos EUA, mas no aeroporto de Paris. Que nenhum passageiro da Varig, em lugar nenhum do mundo, tenha de viver num terminal de aeroporto, à espera de solução para o seu caso.

*Luiz Carlos Merten é jornalista